“Amar é contemplar — tornar-se totalmente aberto às maravilhas surpreendentes de outra alma humana.”
“To love is to behold — to fall fully open to the amazing wonders of another human soul.”
Janice R. Levine
I – Quando Não Há Palavras
O tapete de folhas secas que se estendia pelas ruas vazias anunciava a chegada do outono. Envolvidos por aquele clima acolhedor e, ao mesmo tempo, sobrecarregados de bagagens e expectativas, desembarcamos em Allen, município residencial nos arredores de Dallas onde iniciaríamos uma nova etapa. Naqueles dias, entre as muitas preocupações, o encontro das crianças com a língua franca era o foco das atenções.
O encontro entre Pedro e o novo idioma aconteceria formalmente logo que as aulas começassem. Conhecendo não mais que poucas frases em inglês ele teria pela frente um intrincado desafio.
Logo nos primeiros dias de aula Pedro se deu conta de como as palavras fazem falta. Sem elas, ele rápida e intuitivamente recorreu ao aparato corporal para se comunicar. Entretanto, um pequeno detalhe cultural poderia tornar seu desafio ainda mais complicado.
Nos Estados Unidos, especialmente em lugares como o Texas, a comunicação corporal e tátil geralmente não é vista com bons olhos. Em diversos lugares públicos, como nas escolas, as pessoas conservam uma certa distância entre si e se comportam como se uma linha imaginária demarcasse fronteiras individuais.
Sem saber deste detalhe, Pedro logo invadiu as fronteiras estrangeiras. Usando sua sensibilidade corporal e tátil, Pedro percorria os corredores e pátios da escola distribuindo abraços, puxões e empurrões na tentativa desesperada de se comunicar com seus colegas.
Texas Rangers
Após algumas semanas, chegara a hora da avaliação periódica que Pedro faria na escola com a presença dos pais. Assim, nos encontramos com sua professora, uma texana autêntica, que embora demonstrasse tranquilidade em relação à adaptação de Pedro, não entendia o motivo daquela insólita conduta do pequeno forasteiro brasileiro. Ao se referir ao excessivo contado físico por ele perpetrado, afirmou, dramática, a mentora:
— “Quem é que faz esse tipo de coisa?”
Aparentemente o evidente lhe escapara. Tratava-se, claro, de um subterfúgio somático, uma reação instintiva, uma muleta linguística, não no sentido gramatical como frequentemente ocorre com a equivocada expressão a “nível de”, mas no sentido prático e plenamente justificável, adotado por Pedro para se fazer ouvir.
Felizmente, como é comum, Pedro logo aprendeu a língua franca, voltou a falar com a desenvoltura habitual e superou, sem traumas, os contratempos da linguagem.
Entretanto, a história poderia seguir outra direção se uma criança, em situação semelhante, não recebesse de nossos Texas Rangers o suporte necessário para superar as dificuldades impostas pela situação.
Uma criança que se muda para outro país e, por qualquer razão, apresente dificuldades para aprender o idioma local, se encontra em situação de extrema vulnerabilidade. Com o passar do tempo, é possível que uma comunicação truncada e ineficiente provoque uma sucessão de inconvenientes e problemas que em outro contexto seriam evitados.
Talvez, colegas e professores, inscientes e impacientes, se afastassem da criança sem a plena consciência das possíveis consequências. Talvez, o inesperado afastamento despertasse nela sentimentos de incompreensão, isolamento e ressentimento.
Prologando-se esse estado, é perfeitamente plausível que a criança, outrora meiga e obediente, passasse a demonstrar comportamentos arredios, a transgredir as regras, a exasperar-se com os colegas ou a desobedecer seus professores. Tudo isso pelo simples fato de não saber se comunicar de maneira clara e adequada.
II – Quando Palavras Não Bastam
Imperícia Conjugal
Ao contrário da criança ingênua, forçada a se comunicar sem palavras em terras estrangeiras, as pessoas, quase todas, são capazes de se expressar por meio da linguagem falada. Ainda assim, com tantos vocábulos à nossa disposição, curiosamente tropeçamos nas palavras bem mais do que estamos dispostos a admitir.
O casamento é, sem dúvida, um dos ambientes em que mais sobram tropeços e incompreensões. Uma das razões deste fenômeno é que, em regra, as pessoas se lançam neste que é um dos empreendimentos mais longevos e desafiadores de suas vidas praticamente despreparados, desprevenidos, desprovidos de qualquer compreensão mais detalhada sobre o que os aguarda.
Como ironizou David Mace, saudoso professor da Escola de Vida Familiar da Universidade para Jovens em Brigham, em um de seus artigos:
“O casamento é o mais profundo e potencialmente o mais gratificante de todos os relacionamentos humanos, mas também um dos mais exigentes. Infelizmente, os casais raramente se apresentam preparados e trazem, quando muito, um superficial conselho de seus pais e um novo conjunto de porcelana chinesa.” Tradução: Parlatorium Online.
Na verdade, as dificuldades de comunicação que enfrentamos como casal têm origens remotas, bem anteriores ao início de nossa vida a dois. Isto porque nossas expectativas são delineadas e sedimentadas de maneira predominantemente inconsciente a partir de inúmeras experiências, diretas e indiretas, colecionadas ao longo dos anos sobre o casamento.
Daí a necessidade de identificarmos, o mais cedo possível, o que verdadeiramente esperamos do casamento. Quais são as nossas impressões, sentimentos e perspectivas quanto à vida conjugal? Que receios, dúvidas ou traumas precisam ser corajosamente revelados?
Tudo isso só será possível através de um rigoroso e cuidadoso processo de sondagem pessoal e matrimonial. Em outras palavras, ambos os cônjuges precisam ter a coragem necessária para identificar (quando conscientes) e desvendar (quando inconscientes) quais são suas reais expectativas quanto ao casamento, e posteriormente externá-las de uma maneira sábia e transparente.
Irreais Expectativas
Em recente matéria veiculada pela revista Cristianismo Hoje (Christianity Today), o professor de sociologia Mark Regnerus, da Universidade do Texas em Austin e um dos fundadores do Instituto Austin para o Estudo da Família e da Cultura, nos mostra como a questão das expectativas é negligenciada desde cedo pela maioria dos casais. Nas palavras do professor:
“A maioria dos jovens cristãos que entrevistamos cultiva claramente elevadas expectativas em relação ao casamento e praticamente nenhuma tolerância ao sacrifício. Eles assumem abertamente que não estão dispostos a se doar demais.” (…) “Por outro lado, os casais que se protegem de expectativas exageradas demonstram mais facilidade e clareza para projetar seu futuro.” Tradução: Parlatorium Online (ênfase adicionada).
De fato, o casamento pode se tornar terra fértil para o florescimento de um verdejante relacionamento conjugal desde que marido e mulher estejam dispostos a contribuir simultaneamente com sua parcela de renúncia e sacrifício. Quando ambos os cônjuges estão imbuídos deste propósito, nada se compara ao casamento.
III – A Vida Como Ela “Deve Ser”
Desde A Vida Como Ela É, série de contos escritos por Nelson Rodrigues na década de 1950, passando pelas incontáveis novelas que há décadas se arrastam, sem propósito, em certos canais de televisão, até chegar aos artigos de psicólogos e psicanalistas progressistas em jornais e revistas atuais, o que se nota é uma concepção burlesca do casamento, uma abordagem temerária de sua importância social e uma incompreensão flagrante dos princípios que o orientam.
Faz tempo que os meios de comunicação, em quase sua totalidade, reverberam uma história distorcida do casamento. O roteiro divulgado com frequência enfatiza aspectos negativos, dificuldades e insatisfações que podem ter lugar no ambiente conjugal. Ao mesmo tempo, o mesmo roteiro esconde seus aspectos positivos, alegrias, prazeres e realizações que enchem qualquer relacionamento de satisfação.
No Brasil, parte desta distorção vem do desprezo acadêmico e midiático pelas questões pertinentes ao casamento. Essa realidade pode ser constatada pela ausência quase absoluta de estudos sérios sobre o tema ou de qualquer divulgação, pelos meios de comunicação, dos aspectos inigualáveis, vantajosos e saudáveis que só podem ser encontrados no âmbito desta milenar e fundamental instituição.
Mas a vida a dois não precisa ser pautada pelos equívocos práticos e teóricos propagados livremente pelos incautos e desinteressados. Há muitas pessoas que não hesitariam em conhecer os instrumentos de navegação e os métodos de orientação adequados ao casamento se soubessem que sua utilização poderia guiá-los por caminhos bem mais virtuosos e felizes.
Antes de tudo, é essencial a percepção clara de que o casamento é um ato de generosidade que alcança não apenas cônjuge e filhos, mas que também contribui decisivamente na formação de um tecido social mais resistente e ajustado. Nas palavras do professor Mark Regnerus:
“Até agora, o Ocidente vive do legado deixado por incontáveis sacrifícios feitos por maridos e esposas, mães e pais há muitas décadas. Sabemos que são esses casamentos comprometidos os que sustentam uma sociedade saudável. Mas perdemos de vista o fato de que o casamento é, sob muitos aspectos, um ato de misericórdia corporal (e espiritual), não apenas para nosso próprio cônjuge e filhos, mas para o mundo além das nossas casas. As conquistas do Ocidente foram construídas sobre essa estrutura familiar, e seu desmantelamento nos deixará muito mais vulneráveis e psicologicamente indefesos do que imaginamos.” Tradução: Parlatorium Online.
O valor intrínseco do casamento, portanto, é histórico, extenso e indiscutível. Por isso, os benefícios da estrutura familiar associados ao casamento não podem ser ignorados simplesmente porque parte dos casais se desfaz pelo caminho ou não encontra nele a felicidade que procura.
O casamento, como tantas outras instituições, depende diretamente dos atos de vontade de seus participantes. Mas culpar a instituição – estrutura jurídica e social estabelecida por leis ou costumes – é muito mais fácil do que reconhecer as próprias fraquezas e imperfeições.
IV – Como Fortalecer Seu Casamento
Finalmente, a valorização do casamento como instituição passa pelo fortalecimento de cada casal em particular. Esse fortalecimento, por sua vez, requer qualidade na comunicação, comprovadamente um dos mais importantes indicadores da harmonia e felicidade no ambiente conjugal.
Portanto, se realmente queremos promover um ambiente conjugal ideal no qual haja amor, alegria e propósito, é crucial avançarmos no conhecimento e no exercício de virtudes clássicas como a sabedoria (para escutar), a paciência (para compreender), a compaixão (para perdoar), a humildade (para reconhecer os próprios vícios e limitações) e a coragem (para agir com acerto quando necessário).
Virtudes na Prática
Mas como trazer à tona virtudes que muitas vezes já conhecemos e valorizamos? Como evitar que instruções sábias, por vezes repetidas, permaneçam inertes na esfera abstrata? Como fazer emergir de nossas boas intenções as atitudes de amor coerentes, transformadoras e vitais para o êxito no casamento?
Primeiro, nos valendo das referências mais confiáveis sobre a dinâmica conjugal e seus desdobramentos. Segundo, nos dedicando consistentemente não só ao conhecimento do outro e suas nuances, mas também ao auto-conhecimento sincero e corajoso.
Para nos ajudar nesta tarefa, convidamos os pesquisadores Howard J. Markman, Scott M. Stanley, e Susan L. Blumberg da Universidade de Denver, autores de um dos mais completos livros sobre o tema: “Como Fortalecer Seu Casamento”.
Embora não se vincule expressamente à nenhuma doutrina religiosa, o livro apresenta duas credenciais primordiais:
- A qualidade dos princípios que o orientam;
- A utilização rigorosa do vasto arcabouço científico que o alicerça.
“Como Fortalecer Seu Casamento” (ou Fighting For Your Marriage – seu título original) é um livro desenvolvido por especialistas do Centro de Estudos Conjugais e Familiares da Universidade de Denver. Seu conteúdo está alicerçado em uma série de pesquisas realizadas durante mais de vinte anos que tinham como propósito central desvendar e entender que tipos de comportamento caracterizam os relacionamentos duradouros.
Contrariando a ideia popular de casualidade (característica daquilo que é casual; eventualidade, acaso, acidente) ainda bastante difundida, os pesquisadores foram capazes de prever entre 80% a 94% (dependendo do estudo) se o relacionamento futuro dos casais estudados seria harmonioso ou conturbado.
Uma das principais conclusões a que chegaram os autores desta intrigante obra, foi que o sucesso no casamento está relacionado não tanto à natureza das diferenças entre os cônjuges, mas à maneira adotada por eles para lidar com essas diferenças.
Após tantos anos de dedicação, os pesquisadores estão convencidos de que muitos divórcios e decepções conjugais podem, sim, ser evitados. É plenamente possível, segundo eles, que marido e mulher aprendam a construir e a proteger um relacionamento apaixonante e gratificante, desde que estejam confiantes e motivados para a tarefa.
Para todos os que são casados, ou que pretendem se casar, as advertências e orientações deste livro podem ser reveladoras e decisivas. Seu grande trunfo é fornecer pontes bem edificadas, capazes de nos escoltar na direção de uma vida conjugal repleta não só de amor e paixão, mas, também, de sabedoria, satisfação e sofisticação.
A partir do próximo artigo avaliaremos alguns dos sólidos conhecimentos e eficientes instrumentos apresentados pelos autores, de modo a descobrir como eles podem contribuir para o fortalecimento de nossos casamentos e relacionamentos. Até lá!
Como Fortalecer Seu Casamento
Divulgação Gratuita
Há uma versão do livro em português disponível na internet. Contudo, nos parece que ela ainda não foi objeto de revisão e ampliação como no caso do livro original.
Querido amigo Ju, gostei muito do texto. A analogia entre a experiência da nova língua ao Pedrinho com aquela que todos casais enfrentam na também nova língua conjugal foi muito interessante. Confesso que o final do texto me deixou curioso por conhecer mais as ferramentas que o livro mencionado poderá apresentar. Gostei muito da temática, vou inserir este livro no roll de leitura deste ano ainda. Um abraço.
Mais uma vez, obrigado pelas palavras. Acredito que vocês vão gostar muito do livro.
Um grande abraço!