Há alguns dias, em 8 de junho de 2021, o Brasil presenciou, mais uma vez, o uso anedótico de um neologismo ‘impróprio’ usado pela ‘grande mídia’ para ‘modular’ os efeitos inconvenientes de determinado fato. O uso do verbo ‘despiorar’ por um veículo de certa circulação é a alegoria perfeita do estado em que se encontra o jornalismo brasileiro.
A palavra mencionada não nos soa estranha à toa. Ouvi dizer que é usada em Portugal, mas não me dei por convencido. Afinal, nem mesmo no FLiP Lusitano (Dicionário Online da Língua Portuguesa de além-mar) pude encontrar a inesperada palavra.
Mas ainda que por lá fosse a expressão utilizada, o veículo de comunicação que se arriscou com a exótica expressão é brasileiro, e em nosso português, a palavra parece rara (na melhor das hipóteses).
O dicionário do Word, por exemplo, apontou que a palavra não existe e sugeriu que eu a substituísse pelo termo “disporá”. Mas que não seja acusada a respeitada Microsoft, pois nem mesmo o Grande Houaiss reconhece o tal verbete.
Justiça seja feita, há uma ‘corrente minoritária’ que afirma que ela existe, como é o caso do Dicionário Priberam da Língua Portuguesa (on-line). Mas ainda que a palavra exista, seu desuso generalizado não pode ser negado, e desaconselha (no mínimo) sua utilização em qualquer notícia dirigida ao cidadão comum.
Muitos leitores honestos (certamente os mais ingênuos) poderiam alegar que “deu para entender o que ele quis dizer”. Talvez, mas o que mais chamou à atenção não foi propriamente o que o jornalista quis dizer, mas, sim, o que ele não disse.
Impossível não perguntar: – “Por que um jornalista de um conhecido jornal usaria uma palavra cabalmente em desuso para descrever um fato que poderia ser descrito com mais objetividade e precisão por outros termos mais apropriados e conhecidos? Por que dificultar a vida do leitor se a essência da atividade jornalística é facilitar o acesso a informação?
Segundo alguns especialistas, o verbo ‘despiorar’ tem significado distinto daquele incorporado pelo verbo ‘melhorar’. Isso faz sentido, pois tal expressão significaria o ato de ficar menos ruim, parar de piorar, ou piorar um pouco menos. Evidentemente isso não é o mesmo que melhorar menos.
A questão pode até passar despercebida por alguns, mas sua importância é decisiva. Ora, um ‘erro’ desta natureza desperta no público dúvidas legítimas, pois só há duas maneiras de explicá-lo. Em verdade, ou estamos diante de uma evidência de despreparo jornalístico, ou estamos diante de algo ainda pior: a parcialidade jornalística; conhecida inimiga da objetividade e da verdade.
Para chegarmos a esta bifurcação, o raciocínio é muito simples e parte de um fato amplamente divulgado por diversos meios de comunicação: o ‘avanço’ da economia brasileira no último trimestre. Segundo matéria recente da Revista Exame:
“Puxado por atividades exportadoras, como a agropecuária e a indústria extrativa, o Produto Interno Bruto cresceu 1,2% no primeiro trimestre do ano, na comparação com os últimos três meses de 2020. Divulgado ontem pelo IBGE, o resultado ficou acima das previsões do mercado – que estimava avanço em torno de 0,7% – e levou algumas instituições a projetar alta de até 5,5% no fechamento do ano.”
De fato, a economia brasileira não está dando sinais de ‘despiora’, ou seja, parando de piorar ou piorando menos. Diferentemente, a economia está avançando já há algum tempo. Assim, por partir de uma melhora anterior, a economia não pode dar sinais de ‘despiora’ (piorar menos). A economia só pode estar melhorando.
O caso é importante pois expõe a galopante desfaçatez de boa parte da mídia brasileira que não vê mais limites em sua deslealdade jornalística quando se depara com algum fato que, de alguma forma, ameace seus interesses.
A situação se torna ainda mais vexatória pois, principalmente os grandes jornais, se julgam, dentre todos, os mais imparciais. Ao mesmo tempo, agem de modo claramente contrário ao verniz de isenção que anunciam.
Essa parcialidade é uma das razões pelas quais a objetividade jornalística, defendida principalmente pelos próprios jornalistas, começa a ganhar atualmente ares de utopia. Quando os ‘erros’ se tornam constantes e grosseiros, são as intenções, não mais as habilidades, que passam a ser questionadas.
Esta objetividade foi, sim, defendida pelo jornalismo (em geral) desde os anos 1950, ainda que como uma meta a ser alcançada. Contudo, já na década de 90, o prestígio da objetividade jornalística se encontrava bastante enfraquecido tanto nas universidades quanto na prática jornalística.
Naquela época, as dificuldades em negar as interferências promovidas pelos jornais em decorrência de sua função mediadora (muitas vezes escondendo interesses empresariais e políticos) se tornavam cada vez maiores. Hoje, há grande dificuldade para se encontrar meios de comunicação verdadeiramente imparciais.
Infelizmente, a falsa percepção (ou ardilosa promoção) da própria imparcialidade tem comprometido severamente a credibilidade jornalística de muitas organizações tanto brasileiras quanto estrangeiras.
Últimas Notícias – Será Verdade?
Por isso, a interpretação pessoal da notícia, com a finalidade de identificar sua legitimidade, é sempre essencial, por mais imparcial que se considere o sujeito que a transmite, pois como sabemos, na maioria das vezes, os detratores da parcialidade se consideram acima de qualquer suspeita.
Como alvo constante de tantos erros, desinformações e dissimulações, o bom cidadão deve sempre questionar, analisar e comparar tudo aquilo que vê, ouve ou lê. Essa é a maneira mais segura de se proteger contra a exponencial ‘desmelhora’ e, em muitos casos, a vertiginosa empiora que tomam conta de nosso decadente, e tantas vezes inconsequente, jornalismo.
Trocadilho perfeito Ju, mas ao mesmo tempo um eufemismo gentil de sua parte. Em se tratando da grande mídia brasileira, esta teria que melhorar muito para chegar ao nível de “desmelhora”. Os jornais impressos já não servem mais nem para apoio às necessidades fisiológicas das nossas duas cadelinhas. A mídia televisiva caiu no nosso total desprezo, simplesmente a ignoramos, tamanha sua militância para a desinformação. TV virou mera tela de streaming aqui em casa. Estamos ansiosos pela chegada do HBOMax, afinal, ficção por ficção, optamos por aquela com fins de entretenimento. Da mídia web consumimos algo porque ainda permite pelo menos pesquisar mais a fundo alguns temas. Na dúvida, sempre melhor ler um livro. Um abraço.
Oi Cris! Obrigado mais uma vez pelo “engajamento”! Concordo plenamente com a inutilidade (bem descrita por você) dos jornais tradicionais. O que me assusta atualmente é o nível de ousadia e de cinismo. Recentemente, tenho acompanhado “A Gazeta do Povo”, sem dúvida o jornal mais sério e equilibrado que conheço. Embora sua linha editorial seja conservadora (o que lhe rendeu a fama de “extrema direita”), há espaço para a pluralidade de pensamento.
Quanto ao HBO Max, ainda não assinei, mas a ficção bem produzida é, de fato, um entretenimento muito mais rico e palatável. Lembrei-me de você nestes dias ao assistir à série FEED, ficção científica da Amazon Prime Vídeo. Não sei se você já assistiu.
Depois retomamos a conversa.
Um grande abraço! Até breve!
Simplesmente excelente!
Oi Lu! Obrigado pelo carinho! Fico profundamente lisonjeado com os termos elogiosos! Abraço a todos!