Nos dias atuais, um dos grandes problemas na divulgação de informações científicas é a predominante falta de entendimento sobre conceitos elementares que deveriam preceder qualquer discussão sobre o tema. Esse fenômeno cria um terreno fértil para incompreensões, muitas vezes fomentadas por interesses político-econômicos, que podem trazer graves consequências para a sociedade.
Como adverte o escritor e analista político Flávio Morgenstern, estudioso de temas relacionados à linguagem, existem determinadas palavras (como ciência, democracia, liberdade, etc.) que têm um efeito hipnotizador. Sua simples menção provoca sentimentos de confiança que alteram a percepção de quem ouve a mensagem. Por isso, são frequentemente usadas por aqueles que desejam convencer sem o esforço de apresentar argumentos minimamente lógicos ou coerentes.
Em um artigo recente publicado na Gazeta do Povo, intitulado “A Peculiar Ciência Pandêmica”, o doutor em Antropologia, escritor e palestrante Flávio Gordon discute, com base em pesquisas científicas documentadas e investigações policiais em andamento, a epidemia de erros, equívocos e falsificações científicas ocorridos durante a pandemia:
Antes de tudo, convém lembrar que, na história da ciência, e pela própria natureza do método científico, é rara a ocorrência de consensos estabelecidos para todo o sempre. Quando acontecem, giram em torno de aspectos muito específicos de um determinado fenômeno, e, ainda assim, só se estabelecem após décadas ou séculos de intenso debate. Portanto, diante de um vírus novo, e de um cipoal de incertezas sobre sua origem, comportamento, alcance etc., soa até ridícula a pretensão de falar numa ciência consensual que deveria informar uniformemente as políticas públicas de combate à doença.“
O desconhecimento é desmedido e preocupante. Por quase três anos, testemunhamos o descaso insolente de jornalistas e comentaristas paraquedistas que repetiam com prepotência e urgência certos conceitos e análises, muitas vezes superficiais – quando não equivocados –, com a convicção rudimentar de defenderem a verdade. Alheios a aspectos fundamentais do que a ciência representa (método científico), valem-se de termos científicos para transparecer um conhecimento que lhes falta e promover, tola ou maliciosamente, a asfixia do autêntico debate.
Essa visão mesquinha e limitada da realidade gerou uma série de situações embaraçosas. Quando um jornalista, essencialmente um generalista, decide explorar um tema científico e emitir uma opinião, inevitavelmente recorrerá a cientistas versados na matéria. Contudo, em situações complexas, como uma pandemia causada por um vírus desconhecido, nem mesmo os especialistas mais qualificados conseguem fornecer respostas definitivas que estejam imunes a questionamentos.
Na essência da ciência reside a divergência. No entanto, o jornalista oportunista não se importa. Como já enfatizamos, ele invariavelmente agirá por impulso, repetindo prontamente a opinião prevalente, mesmo que se trate de um mero agrupamento de banalidades improvisadas (Gordon, 2022).
Entretanto, o problema se torna ainda mais grave quando constatamos que, além da ruína dialética, a ‘ciência pandêmica’ foi caracterizada por “erros metodológicos, fraudes ostensivas e manipulação de dados”, conforme demonstra Flávio Gordon:
“A bem de verdade, quase tudo o que, nessa pandemia, recebeu o título honorífico de “ciência” – e que, de maneira estranhamente homogênea, passou a ditar as políticas públicas ao redor do mundo – foi baseado em erros metodológicos, fraudes ostensivas e manipulação de dados, logo convertidos em mandamentos divinos pelo establishment midiático global, menos interessado em oferecer jornalismo investigativo ao público do que em servir de assessoria de propaganda dos covidocratas, (…) porta-vozes de uma tal “ciência” oracular – que, na verdade, só existe na mente de quem desconhece a natureza do método científico, ignora as discussões conceituais dos últimos cem anos em filosofia e história da ciência.“
Neste contexto, se torna imprescindível invocar os ensinamentos da filósofa norte-americana Susan Haack sobre os principais sinais desse ânimo intelectivo, interesseiro e destrutivo, de modo a identificar e delatar os falsos caçadores de notícias falsas. De acordo com Haack, o cientificismo apresenta as seguintes características:
“1. Utilizar as palavras “ciência”, “científico”, “cientificamente”, “cientista” de maneira honorífica, como termos genéricos de elogio epistêmico;
2. Adotar os maneirismos, os adornos, a terminologia técnica das ciências, independentemente de sua real utilidade;
3. (Demonstrar) Uma preocupação com a demarcação, isto é, com traçar uma linha nítida entre ciência genuína, a coisa real, e impostores “pseudocientíficos”;
4. Uma preocupação correspondente com a identificação do “método científico”, que pretenda explicar como as ciências foram tão bem-sucedidas;
5. Procurar nas ciências por respostas a perguntas que estão além de seu escopo;
6. Negar ou denegrir a legitimidade ou o valor de outros tipos de investigação além da científica, ou o valor de atividades humanas para além daquele tipo de investigação, como a poesia e a arte.”
Gordon afirma com propriedade que “o que mais temos visto durante a pandemia é a predominância do cientificismo, ou seja, o uso político-ideológico da ‘ciência’ a fim de impor, na base da força e de uma falsa autoridade, uma determinada interpretação exclusivista da realidade. É a “ciência” usada como porrete e mordaça”.
Ciência ‘Estabelecida’
Um bom exemplo de como o absolutismo científico tem pautado amplas e importantes discussões globais pode ser observado nas tentativas midiáticas, exponencialmente intensificadas nas duas últimas décadas, de silenciar opiniões divergentes sobre o fenômeno do aquecimento global, promovendo assim um consenso científico presumido.
Para ilustrar esse ponto (sem adentrar no mérito da questão), o físico Michael Guillen, Ph.D., ex-professor da Universidade de Harvard e premiado com o Emmy como editor de ciência da ABC News, publicou em 2019 um artigo intitulado “Físico: Não caia no argumento da ‘ciência estabelecida'”. Nesse artigo, Guillen expõe a descabida noção de que certas discussões devem ser encerradas porque o consenso científico supostamente já encontrou a verdade a ser universalmente aceita.
A título de ilustração (sem adentrar o mérito da questão) o físico Michael Guillen, Ph.D., ex-professor da Universidade de Harvard e premiado com o Emmy ABC News Science Editor, publicou em 2019 um artigo intitulado Físico: Não caia no argumento da “ciência estabelecida”. Nesse artigo, Guillen expõe a descabida noção de que certas discussões devem ser encerradas porque o consenso científico supostamente já encontrou a verdade a ser universalmente aceita.
As declarações seguintes, segundo Guillen, são exemplos perfeitos desta imprecisa compreensão:
“‘Chegou o consenso científico e a discussão acabou‘, proclama o ator Leonardo Di Caprio. ‘Se você não acredita nas mudanças climáticas, você não acredita em fatos, ou em ciência ou verdades empíricas e, portanto, na minha humilde opinião, não deveria ter permissão para ocupar cargos públicos’.
‘Acho que negar a mudança climática é um crime contra a humanidade‘, diz o comediante Eric Idle, com seriedade. ‘E eles devem ser responsabilizados em um Tribunal Internacional’.”
Guillen deixa claro, porém, que ele está longe de ser um negacionista ou um alarmista. Ao contrário, afirma que é um físico em busca da verdade e um jornalista que acompanha as “complexidades da história da mudança climática desde os anos 1980, até mesmo cobrindo diretamente dos polos norte e sul, onde grande parte da pesquisa climática é feita”.
Segundo ele, o consenso científico resoluto segundo o qual a humanidade exerce profundo impacto sobre o clima, embora possa estar correto, não deveria amordaçar um debate tão importante. Afinal:
“A política ‘Meet The Press’ é incisiva e perigosamente anticientífica. Do mesmo modo, também o são os apelos dos indivíduos com ideias equivalentes não apenas para silenciar, mas punir qualquer um que ouse desafiar o consenso das mudanças climáticas causadas pelo homem – tudo alegadamente em nome da ciência.“
A disputa de ideias consubstanciada na elaboração constante de perguntas guiadas pela honesta busca pela verdade é parte indissociável do método científico. Não é incomum que especialistas de uma mesma área apresentem opiniões e conclusões divergentes sobre um mesmo tema, mesmo após anos de estudos e pesquisas.
O constante aperfeiçoamento de uma tese científica, posteriormente consubstanciada empiricamente, tende a superar entendimentos contrários. Contudo, como assevera Kurt Gödel, filósofo e matemático austríaco, isso nem sempre é possível, pois há verdades que não podem ser provadas, ao menos não nos moldes do método científico tradicional.
A convivência de conceitos e representações conflitantes, tão comum no campo da ciência, soa estranha para a maioria das pessoas. O dilema, de fato, não é simples. Não foi sem razão que Karl Popper, reconhecidamente um dos mais influentes filósofos da ciência do século XX, ao abordar o tema, concluiu:
“Sempre que uma teoria lhe parecer a única possível, tome isso como um sinal de que você não entendeu a teoria nem tampouco o problema que ela pretendia resolver.”
Indubitavelmente, na ciência, uma compreensão completa de um fenômeno raramente é alcançada por uma única perspectiva ou abordagem. Questões científicas são frequentemente complexas e devem ser analisadas sob diversos ângulos. Quando uma teoria ou solução se apresenta como a única possível, isso pode indicar que o problema está sendo visto de maneira limitada ou incompleta e que outras abordagens e hipóteses ainda não foram consideradas.
Com a Palavra, a Ciência?
Para finalizar, a maioria das pessoas não percebe um detalhe sutil, mas essencial, sobre temas científicos, que foi ignorado em meio à confusão jornalística e ao autoritarismo cientificista que dominaram o “debate” público nos últimos anos. Esqueceram que a Ciência, enquanto corpo de conhecimentos sistematizados e desprovida de voz própria (ou seja, sem vontade), não pode fornecer respostas definitivas por si mesma. Como bem resumiu o apologista cristão, Dr. Frank Turek:
“A Ciência não diz nada — quem diz são os cientistas!”
“Science doesn’t say anything — scientists do!“
Não é à toa que, confirmando as palavras de Arthur Schopenhauer, vemos cada vez mais a adoção generalizada de opiniões pretensamente especializadas, mormente sobre temas científicos. Quando repetidas indiscriminadamente pelos agentes da imprensa predominante, essas opiniões se transformam em postulados encantados inquestionáveis, capazes de promover restrições infundadas à liberdade de expressão, circulação e ao acesso a informações bem fundamentadas.
Portanto, quando alguém afirmar categoricamente ter descoberto a verdade revelada pela Ciência, especialmente se exibir um tom de superioridade infantil, não se deixe iludir. Lembre-se de que, embora a Ciência desempenhe um papel civilizatório admirável e essencial, ela própria não pode emitir julgamentos definitivos. São os cientistas que interpretam e comunicam os conhecimentos, e o progresso científico só é possível através do confronto honesto de teorias e ideias.
Juliano Nunes.