A Nobre Regra 9 de Jordan Peterson

“A conversa genuína é exploração, articulação e estratégia. Quando você está envolvido em uma conversa genuína, você está ouvindo e falando, mas principalmente ouvindo. Ouvir é prestar atenção. É incrível o que as pessoas vão dizer se você ouvir”.¹

Jordan B. Peterson

1 – Introdução

Durante mais de 30 anos, um grupo de pesquisadores da Universidade de Denver realizou uma série de estudos sobre casamento e concluiu que nossos “filtros psíquicos” exercem forte influência em nossa conversação. Por isso, o que o outro diz nem sempre coincide com aquilo que ouvimos.

Essa filtragem mental é causa comum de mal-entendidos e está associada a inúmeros e recorrentes problemas de comunicação na vida de casais em todos os lugares.

Existem 5 filtros psíquicos que se destacam quando o assunto é a comunicação entre marido e mulher. São eles:

• Distrações
• Estados Emocionais
• Crenças e Expectativas
• Diferenças Individuais (Estilo)
• Autoproteção

Em artigos anteriores, após atentas análises, concluímos que o reconhecimento de nossos próprios filtros psíquicos é o primeiro passo para uma comunicação assertiva e confiável. Assim, identificá-los e compreendê-los é essencial para aguçar nossa percepção e qualificar nosso discernimento entre a forma e a essência das mensagens que recebemos.

Agora, porém, daremos um passo além. Concluiremos nossas reflexões sobre os filtros psíquicos recorrendo a um princípio extremamente importante tratado talentosamente pelo professor e psicólogo clínico Jordan B. Peterson no capítulo nono de seu último livro “12 Regras Para a Vida – Um Antídoto Para o Caos”. Diz a Regra 9:

2 – Regras Para a Vida

O livro “12 Regras Para a Vida – Um Antídoto Para o Caos” foi publicado em 2018 pelo psicólogo clínico e professor da Universidade de Toronto, Jordan Peterson, e recebeu generosa exposição por parte da mídia internacional.

Certamente a grande repercussão e o sucesso de crítica alcançados pelo livro guardam estreita relação com a densidade dos argumentos utilizados pelo professor para apresentar seus 12 princípios éticos. Em sua opinião, abraçá-los pode mudar sua vida.

Além disso, o trabalho de Peterson, especialmente na última década, o credenciou, na opinião de muitos, como “um dos pensadores mais importantes a surgir no cenário mundial em muitos anos”.

Nota da Amazon

Pela descrição de seu livro no site da Amazon, é possível ter uma ideia das razões deste fenômeno:

Aclamado psicólogo clínico, Jordan Peterson tem influenciado a compreensão moderna sobre a personalidade e, agora, se transformou em um dos pensadores públicos mais populares do mundo, com suas palestras sobre tópicos que variam da bíblia, às relações amorosas e à mitologia, atraindo dezenas de milhões de espectadores.

Em uma era de mudanças sem precedentes e polarização da política, sua mensagem franca e revigorante sobre o valor da responsabilidade individual e da sabedoria ancestral tem ecoado em todos os cantos do mundo. Neste livro, ele oferece doze princípios profundos e práticos sobre como viver uma vida com significado.

A partir de exemplos vívidos de sua prática clínica e vida pessoal, bem como de lições extraídas das histórias e mitos mais antigos da humanidade, 12 Regras para a Vida oferece um antídoto para o caos em nossas vidas: verdades eternas aplicadas aos nossos problemas modernos. “Um dos pensadores mais importantes a surgir no cenário mundial em muitos anos.”

O livro se destaca, sobretudo, pela capacidade rara de instigar seus leitores a pensar. Assim, através de histórias reais, Peterson consegue tratar de questões afeitas a neurociência da emoção, analisando-as à luz da psicologia, da filosofia e da teologia, com honestidade e profundidade incomuns.

Não se trata de um simples livro de regras que, como tantos, prescrevem certos comportamentos e a eles vinculam promessas hiperbólicas. Pelo contrário, por trás das regras propostas por Peterson, algumas consubstanciadas em enunciados triviais, o leitor encontrará um repleto repertório de ideias, ensinamentos e estímulos que o farão refletir.

3 – Presuma que a pessoa que você está ouvindo saiba algo que você não sabe

A Regra 9 reuni dois movimentos simultâneos. Primeiro, nos convoca a exercitar a atenção, habilidade essencial na compreensão dos filtros mentais. Segundo, nos convida a reconhecer o fato de que o outro sabe algo que nós não sabemos.

Porém, este reconhecimento só é possível quando o ouvinte se coloca em posição de humildade. Aqui reside o derradeiro obstáculo para se colocar a regra em prática. Como sabemos, a modéstia não é virtude praticada com naturalidade ou regularidade pela maioria das pessoas.

Com efeito, a proliferação dos especialistas de internet nos últimos anos deixou patente que muita gente acredita saber o bastante (sobre quase todos os assuntos) e por isso dá pouca relevância ao que os outros têm a dizer, principalmente se forem pessoas comuns e sem prestígio social. De certo, na era da desinformação, até mesmo o verdadeiro especialista corre o risco de ser atacado por um bando de desinformados.

Presunção do Saber

Aliás, uma das possíveis explicações para a proliferação dos entendidos é, sem dúvida, nossa orgânica e irrefletida presunção do saber, que nas palavras de Baltazar Gracián, jesuíta e escritor do Século de Ouro Espanhol, é o primeiro sinal da ignorância.

De fato, muitas pessoas vivem de acordo com suas próprias ideias e opiniões, tomando decisões sobre o que pensam conhecer, sem perceber os riscos e as consequências de seu desconhecimento. Como destacamos no artigo Quanto Vale a Sua Opinião?:

“O que parece estar a margem do pensamento das pessoas é que uma opinião equivocada pode custar caro. A imensa maioria delas, cultas ou não, alheia a essa fundamental distinção entre conhecimento e opinião, acalenta uma certeza inamovível e perigosa de “estar com a razão”. Como se não bastasse, tais pessoas ainda ostentam, em relação ao emissário da opinião dissonante, aquela nítida e imponente sensação de superioridade de quem se julga dono da verdade.“

Eventualmente, o fenômeno da superioridade ilusória pode surgir em qualquer ambiente social, profissional ou familiar. Em todos eles, porém, uma postura presunçosa é geralmente desagregadora e sempre inconveniente. Especialmente no caso de uma relação afetiva, cotidiana por natureza, quando a presunção ganha guarida, tempestades perigosas principiam no horizonte e suas consequências são imprevisíveis.

No mesmo sentido, algumas das pesquisas realizadas pela Universidade de Denver revelaram, por exemplo, que a arrogância matrimonial, como decidi chamar, pode alimentar a tola crença de que o parceiro é o culpado por todos os problemas do casal. Desse modo, o arrogante se sente aliviado, pois ao acreditar em sua inocência, acredita, também, não precisar de correção.²

4 – Conversas Genuínas

Conversas genuínas estimulam o contraditório. São desafiadoras, instrutivas, revigorantes. Abrem espaço para o exame cuidadoso de outras possibilidades. Requerem atenção redobrada, curiosidade seletiva e sinergia criativa.

Peterson afirma, antes de tudo, que o ambiente ideal para que a Regra 9 se desenvolva – “Suponha sempre que a pessoa a quem você escuta saiba algo que você não sabe” – é a conversa genuína, definida por ele com o auxílio de atributos da psicoterapia. Em suas palavras:

“A psicoterapia é uma conversa genuína. Conversa genuína é exploração, articulação e estratégia. Quando você está envolvido em uma conversa genuína, você está ouvindo e falando, mas principalmente ouvindo. Ouvir é prestar atenção. É incrível o que as pessoas vão dizer se você ouvir. Às vezes, se você ouvir as pessoas, elas dirão até o que há de errado com elas. Às vezes, elas dirão até o que pretendem fazer para consertar. Às vezes, isso pode o ajudar a consertar algo errado com você mesmo.” ³ Tradução: Parlatorium Online.

Desse modo, se nosso intuito (ao menos em certas situações) é desenvolver uma conversa genuína com nossos cônjuges, parentes, amigos ou colegas, devemos encará-la como uma forma de exploração mútua na qual julgamentos apressados devem ser evitados.

Certamente, neste processo exploratório, ideias e percepções discordantes são comuns. Contudo, ao invés de sair apressadamente em defesa do próprio ponto de vista, sem sequer considerar o argumento contrário, as partes adotam uma postura alerta e serena para debater a questão.

Por fim, Peterson acredita que qualquer conversa pode ser tornar interessante se estivermos, de fato, dispostos a aprender com nosso interlocutor.

5 – Silêncio Por Favor

Silêncio Inteligente

Conversas genuínas pedem momentos de silêncio, exigência hermenêutica vital ao bom entendimento das coisas. Nesse sentido, a ponderação cadencia a exposição das ideias e acautela os participantes de julgamentos precipitados.

Sob a mesma premissa, Peterson argumenta que há uma maneira rápida de se mostrar mais inteligente no curso de uma conversa. Basta ficarmos em silêncio. Em outras palavras, basta praticarmos o que eu chamaria de mudez voluntária. Como diz o professor:

“Você pode ser muito inteligente se puder apenas calar a boca.” Tradução: Parlatorium Online.

“You can be pretty smart if you can just shut up.” ⁴ Texto original.

A brusca advertência, com efeito, pretende chamar à atenção para um preceito tão antigo quanto relevante. Sua essência foi resumida de modo puro e simples por Tiago, irmão de Jesus, em sua carta “às doze tribos dispersas entre as nações”. No capítulo 1, verso 19, suas inspiradas palavras advertem:

“Portanto, meus amados irmãos, todo o homem seja pronto para ouvir, tardio para falar, tardio para se irar”. Versão Almeida Corrigida

Na tradução bíblica de Eugene Peterson, “Bíblia A Mensagem“, outras palavras entram em cena:

“Amigos, nunca se esqueçam: aprendam a ouvir primeiro e a falar depois, e não deixem que a ira tome o controle”.

Curiosamente, mesmo após dois mil anos, o ensinamento bíblico tem poucos adeptos. Por isso, seu resgate continua tão importante quanto antes. Afinal, nossa língua continua ágil como sempre.

“… Um pequeno leme em um enorme navio, nas mãos de um capitão habilidoso, consegue passar entre os ventos mais fortes. Uma palavra que sai da sua boca pode parecer sem importância, mas pode construir ou destruir quase tudo! Basta uma faísca para incendiar uma floresta inteira. Uma palavra descuidada ou mal colocada pode fazer o mesmo.” ⁵

Freios Desajustados

Sejam poucas ou muitas as nossas palavras, falamos frequentemente de maneira desenfreada. Basta lembrar de quantas vezes, em conversas distintas, nossas respostas começam a ser estruturadas mentalmente antes que nosso interlocutor tenha sequer terminado sua fala ou completado o seu raciocínio, apenas para serem apressadamente despejadas.

Nos círculos sociais virtuais esse falatório ganha proporções exponenciais à medida que as conversas compostas de monólogos simultâneos se multiplicam. Porém, tais solilóquios apresentam uma traiçoeira armadilha aos seus adeptos: acreditar progredir, sem sair do lugar.

O silêncio atento nos auxilia a ouvir com qualidade para que possamos falar com propriedade. Como uma das principais utilidades das conversas genuínas é a resolução de problemas (práticos ou teóricos), a ponderação de mais de um ponto de vista é essencial se queremos sair do lugar comum.

Segundo Peterson, estas são as conversas em que a filosofia ativa se materializa produzindo pensamentos elaborados e ações corajosas. Em suas palavras:

“Todos os participantes estão tentando resolver um problema, em vez de insistir na validade a priori de suas próprias posições. Todos estão agindo com a premissa de que têm algo a aprender. Este tipo de conversa constitui filosofia ativa, a forma mais elevada de pensamento e a melhor preparação para uma vida plena.” ⁶ Tradução: Parlatorium Online.

Nessa interação filosófica, testamos nossas próprias ideias e as depuramos; reconhecemos outras racionalmente sustentáveis e as validamos; confrontamos as posições divergentes e nos rendemos ao melhor argumento.

6 – A Prática da Virtude

Faz tempo que o filósofo do “bem” nos adverte:

Somos o que repetidamente fazemos. A excelência, portanto, não é um feito, mas um hábito.” Aristóteles

Diante disso, é hora de colocar em prática o que aprendemos sobre os filtros mentais na comunicação e vivenciar as vantagens decorrentes desta ação.

Assim, após identificarmos as ideias que melhor se aplicam ao nosso caso, precisamos praticá-las quantas vezes forem necessárias, até que se tornem espontâneas. Há novos hábitos que exigem firme empenho, mas a repetição e o aperfeiçoamento estimulam mudanças duradouras.

Em virtude de sua estreita relação com o ato de ouvir com atenção, a Regra 9 pode ser uma grande aliada no combate aos efeitos deletérios dos filtros mentais que enfraquecem nossa comunicação.

Nesse sentido, para nos ajudar a colocá-la em prática durante conversas importantes, exploraremos um exercício elaborado por Carl Ransom Rogers, saudoso psicólogo americano citado por Peterson, que propõe o seguinte desafio:

“Pare a conversa por um momento e institua a seguinte regra: ‘Cada pessoa só poderá falar depois de primeiro ter reafirmado, com precisão, as ideias e sentimentos de seu interlocutor, até que ele fique satisfeito.” ⁷ Tradução: Parlatorium Online

Um dos principais benefícios do exercício é promover a cooperação. Segundo Peterson, são comuns as situações em que a pessoa articula e expõe seus pensamentos pela primeira vez, o que pode afetar a clareza e compreensão daquilo que diz.

Ao permitir que o outro reorganize suas ideias quando julgar apropriado, contribuímos para o esclarecimento conceitual que a ambos beneficiará. De fato, soluções ponderadas e inteligentes não nascem regularmente no bojo de conversas corriqueiras.

7 – Teste a Tese

Seja como for, você só terá acesso aos benefícios de uma conversa genuína se fizer o teste. Por isso, no momento oportuno, proponha o exercício ao seu cônjuge e explique os efeitos de uma comunicação de alto nível. A partir daí, assegurem-se de que cada um só possa falar depois de confirmar que entendeu corretamente o que foi dito pelo outro. Repitam o processo com atenção e façam correções quando necessário.

Ao entender substancialmente o que o outro quer dizer (não necessariamente o que ele diz), evitaremos um sem-número de conflitos desnecessários e consequências indesejadas que até mesmo o mais frívolo mal-entendido pode suscitar.

Depois de um certo tempo praticando o exercício, será inevitável o sentimento de surpresa quando constatarem a recorrência das inconsistências e incorreções encontradas em suas próprias interpretações das palavras do outro.

Escreva-nos contando sobre o desenlace da sua experiência. Suas impressões da Regra 9 são muito valiosas para nós.

Boa prática!

O Centro de Liderança Criativa (Center for Creative Leadership: www.ccl.org) trás em seu site os 6 passos fundamentais para uma ‘atenção ativa’ no âmbito da liderança organizacional. Observe que a cadeia de ações necessária para as organizações vem ao encontro de tudo o que Jordan Peterson ensina em sua Regra 9. Assim, este processo é aplicável no âmbito conjugal de forma praticamente idêntica.

Referências:

1. Peterson, Jordan B. 12 Rules for Life. Random House of Canada. Edição Kindle, p. 229. Tradução: Parlatorium Online.

2. Stanley, Scott; Markman Howard; Blumberg, Susan. Fighting For Your Marriage. Jossey-Bass Editora, 3ª ed., 2010, p. 23. Tradução: Parlatorium Online.

3. Peterson, Jordan B., 12 Rules for Life. Random House of Canada. Edição Kindle, p. 236. Tradução: Parlatorium Online.

4. Peterson, Jordan B., 12 Rules for Life. Random House of Canada. Edição Kindle, p. 240. Tradução: Parlatorium Online.

5. Carta de Tiago, Novo Testamento, Capítulo 3: 3-6. Bíblia A Mensagem.

6. Peterson, Jordan B., 12 Rules for Life. Random House of Canada. Edição Kindle, p. 376. Tradução: Parlatorium Online.

7. Rogers, C. R. (1952), Communication: its blocking and its facilitation. ETC: A Review of General Semantics, 9, 83-88. Tradução: Parlatorium Online.