Quando o que você ouve não é exatamente aquilo que eu disse
Síntese do Artigo
Neste artigo você encontrará:
- Por que é tão difícil lidar com os conflitos do dia a dia no casamento?
- Por que o livro “Lutando Pelo Seu Casamento” se destaca de outros sobre o mesmo tema?
- O cenário e as circunstâncias em que eu e minha esposa conhecemos o livro.
- As dificuldades de relacionamento que enfrentávamos naquele momento.
- A análise de uma conversa real demonstrando o problema dos “filtros de comunicação”.
- O impacto dos “filtros de comunicação” em nossos relacionamentos.
- A importância de identificá-los para promover uma relação mais saudável e feliz.
Introdução
Como sabemos, todos nós enfrentamos conflitos em nossos relacionamentos afetivos. A frequência e intensidade com que ocorrem podem até variar, mas eles estão sempre lá.
Cientes disso, por que os conflitos nos impõe tanta dificuldade? Por que, em muitos casos, não somos capazes de encontrar uma maneira mais apropriada e, portanto, menos sofrida para lidar com o inevitável?
Primeiro, acredito que isso acontece pois a grande maioria dos conflitos nos pegam de surpresa. Seu caráter imprevisível nos induz a respostas reativas, frequentemente carregadas de emoção e vazias de razão.
Segundo, porque normalmente acreditamos saber o suficiente para enfrentar problemas deste tipo. Essa ilusão de conhecimento nos afeta em diversas áreas e pode nos levar a tomar decisões das quais nos arrependeremos depois.
Terceiro, porque é necessário certa medida de humildade para expor as feridas de um relacionamento. Para buscar ajuda, seja de um amigo, conselheiro ou psicólogo, precisamos, primeiro, admitir que em algum ponto falhamos. Mas todos nós queremos esconder, e não assumir, nossas falhas.
Nosso desejo com essa série de artigos que aqui se inicia, é que todos nós possamos desenvolver habilidades específicas, essenciais para uma melhor comunicação em nossos relacionamentos, principalmente em momentos de conflito.
Para nos acompanhar neste passeio, convidamos os pesquisadores da Universidade de Denver, responsáveis por um dos mais amplos e consistentes estudos sobre “relacionamento de casais”. É hora de ouvir um pouco do que eles tem a nos ensinar.
Lutando Pelo Seu Casamento — O Livro
Para tentar entender melhor que tipos de comportamento são imprescindíveis para uma relação feliz e duradoura, o Centro de Estudos Conjugais e Familiares da Universidade de Denver estabeleceu um divisor de águas quando reuniu resultados de décadas de pesquisa em um único livro, originalmente intitulado Fighting For Your Marriage (Lutando Pelo Seu Casamento).
Para se ter uma ideia da autoridade dos resultados das pesquisas, os quais se aplicam a qualquer relacionamento, um dos estudos realizados acompanhou 150 casais durante 13 anos, antes e depois de se casarem. Com a análise dos dados obtidos os pesquisadores conseguiram prever, com 93% de acerto, que casais se divorciariam e que casais continuariam juntos e felizes nos anos subsequentes.
Revés Nas Montanhas
1. O Cenário
A beleza e exuberância das montanhas do Colorado transcendem drasticamente o que meras lentes fotográficas são capazes de registrar. Sem dúvida, ter vivenciado ali parte do nosso namoro foi um verdadeiro privilégio.
Contudo, não seria somente aquele incomparável e fascinante cenário que nos surpreenderia naquele inverno.
Ainda no Brasil, os primeiros meses de namoro foram cheios de encantamento e paixão. Os encontros frequentes, ansiosamente aguardados, e as caminhadas sem pressa pelas ruas da Savassi marcaram aquele início inesquecível. Mas após seis meses de entusiasmo juvenil, um inesperado desafio.
Estávamos no mês de agosto de 1999 e eu acabara de terminar a faculdade de direito quando minha namorada se mudou para o Colorado, nos Estados Unidos. Naquela época, a comunicação de longa distância era realizada por meio de cartas, ligações telefônicas esporádicas e pelo recém-chegado correio eletrônico, dispositivos precários diante das dores causadas pela ausência.
Mas aquele período árido chegaria ao fim sete meses depois quando, alegres, ansiosos e um tanto tímidos, nos encontramos no monumental Aeroporto Internacional de Denver.
2. O Revés
Morávamos em um apartamento em Avon, pequena cidade às margens do Eagle River, rio que atravessava o belíssimo vale. Nossos encontros agora eram diários e frugais, o que tornava bem mais difícil a tarefa de esconder nossos traiçoeiros traços de personalidade.
A frequência e intensidade dos conflitos e discussões nos deixaram surpresos e assustados. Nossas tentativas de lidar com o problema eram manifestamente ineficazes. Precisávamos de algum auxílio imediato.
Àquela altura já participávamos de um grupo cristão que se encontrava semanalmente. As reuniões aconteciam em uma casa acolhedora e confortável, sempre acompanhadas por abundantes cafés da manhã e um ambiente genuinamente caloroso.
Roberto cuidava dos estudos bíblicos. Seu amplo conhecimento e sua maneira de lidar com temas sensíveis pareciam credenciá-lo para a tarefa de aconselhamento.
Assim, em uma rápida conversa após uma das reuniões, selamos o compromisso de participar de encontros regulares nos quais conversaríamos abertamente sobre nossas dúvidas e inquietações. O livro Lutando Pelo Seu Casamento nos orientaria durante o processo.
3. Os Primeiros Passos
Um dos primeiros e mais importantes temas tratados no livro se encontra no capítulo intitulado Quando o que você ouviu não é o que eu disse — Os filtros de compreensão na comunicação. Os autores iniciam o capítulo indagando:
“Você já percebeu que o que seu parceiro ouve pode ser muito diferente do que você estava tentando dizer? Você pode dizer algo aparentemente inofensivo e, de repente, seu cônjuge fica irritado. Ou você pode fazer uma pergunta inocente, como “O que você quer jantar?”, e seu parceiro começa a reclamar que você não está cumprindo suas tarefas domésticas.”
Lutando Pelo Seu Casamento; p. 89, terceira edição, 2010, John Wiley & Sons. Trecho traduzido por Juliano Nunes.
Aquelas indagações tocaram diretamente no problema. Não importava o lugar. Podíamos estar em casa ou ter saído para jantar. A conversa casual transcorria tranquila até que, de repente, algo dito por um de nós lançava certa dúvida no ar.
Seria aquele comentário uma crítica? Uma reclamação indireta? Uma provocação?
O certo é que, a partir daquele instante, enquanto um se defendia da suposta acusação, o outro tentava, sem sucesso, esclarecer sua intenção. Com os ânimos já exaltados, todo esforço parecia em vão; pior, parecia agravar a situação.
Ao final, o que era para ser um momento agradável acabava se transformando em uma discussão aborrecida e impertinente.
4. O Arquétipo
Para ilustrar como estas conversas se delineiam, os pesquisadores incluíram no livro situações reais. No exemplo a seguir temos um casal que, após um dia exaustivo de trabalho, acaba de chegar em casa. Arthur, o marido, constatando seu cansaço, pensa em convidar sua esposa, Martha, para jantar. Ele, então, pergunta a ela:
ARTHUR: (pensando em sair com a esposa para jantar, enquanto ela entra na sala). “Alguma ideia para o jantar desta noite?”
MARTHA: (ao entender “Quando o jantar estará pronto?”). “Por que sou sempre eu quem faço o jantar? Eu trabalho tanto quanto você.”
ARTHUR: (ao ver aquela resposta como um ataque, pensa: “Por que ela está sempre de mau humor?”). “Nem sempre é você quem faz o jantar. Eu fiz jantar na semana passada!”
MARTHA: (o ciclo nocivo prossegue, já que Martha tende a sentir que é ela quem faz todo o trabalho de casa). “Trazer hambúrgueres e batatas fritas não é fazer jantar, ARTHUR.”
ARTHUR: (se sentindo frustrado e desistindo da ideia). “Esqueça. Na verdade, eu nem estava muito a fim de sair com você.”
MARTHA: (se sentindo confusa, pois não consegue se lembrar de ter ouvido nada sobre sair). “Você não disse nada sobre querer sair.”
ARTHUR: (agora com muita raiva). “Claro que eu disse! “Eu perguntei onde você gostaria de jantar, e você ficou antipática de repente.”
MARTHA: “Fiquei antipática? Você não disse nada sobre sair.”
ARTHUR: “Disse sim!”
MARTHY: “Claro, voce nunca está errado, não é?”
Lutando Pelo Seu Casamento; p. 90, terceira edição, 2010, John Wiley & Sons. Trecho traduzido por Juliano Nunes.
Apesar da ótima ideia de Arthur, que provavelmente seria acolhida por Martha (também cansada), um simples ruído na comunicação foi o suficiente para suscitar uma interpretação equivocada que, ao final, soterrou a promissora intenção inicial.
5. A Constatação
Em um de nossos primeiros encontros, Roberto nos propôs um exercício aparentemente simples. Um de nós teria a palavra por alguns minutos e falaria um pouco sobre suas inquietações e expectativas. Logo em seguida, o outro repetiria o que havia escutado, agora com suas palavras.
Como era a minha vez de ouvir, fiquei atento. Após ouvi-la, sem maiores dificuldades relatei o que julgava ter escutado. Um breve silêncio ocupou a sala. Roberto, então, compassivo, mas seguro, me disse:
- “Não, não foi exatamente isso o que ela disse!”
Surpreso e meio constrangido, respondi:
- “Não? O que ela disse então?
Ele me mostrou como minha interpretação havia falhado e eu nunca mais me esqueci daquele momento.
Foi assim que um simples exercício de poucos minutos expôs uma inabilidade muito comum, mas constantemente ignorada pela maioria de nós, já que realmente pensamos que sabemos nos comunicar adequadamente.
A verdade, porém, é bem diferente.
Ao estudar a questão, os pesquisadores da Universidade de Denver constataram que uma das principais causas dos desentendimentos entre casais está relacionada aos nossos “filtros de comunicação”.
As pesquisas conseguiram mostrar com clareza que nossas experiências, sentimentos, pensamentos e percepções, decorrentes de nossas interações familiares, culturais, profissionais ou afetivas, moldam gradualmente em nós um singular mosaico interpretativo da realidade.
6. Conclusão
É possível concluir, portanto, que nossos “filtros de comunicação” podem comprometer significativamente qualquer mensagem que recebamos, de modo especial na vida de um casal.
Esse comprometimento da mensagem está associado a inúmeros e recorrentes problemas de comunicação que afetam casais em todo o mundo.
Por isso, se queremos aperfeiçoar nossas habilidades de comunicação e pavimentar um caminho mais seguro para nossos relacionamentos, devemos aprender a identificar nossos próprios filtros psíquicos. Isto exigirá de nós um pouco de reflexão.
No próximo artigo começaremos a refletir juntos sobre alguns dos principais “filtros de comunicação” detectados pelos pesquisadores da Universidade de Denver. Assim, caminharemos um pouco mais em direção ao aperfeiçoamento de nossas habilidades interlocutórias.
Espero vocês em nossa próxima conversa!
“Se você gostou do artigo, compartilhe com as pessoas que conhece e que também se interessam em cultivar relacionamentos saudáveis e felizes.”
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Obrigado Ju, um 2021 com vacina e mais tranquilo a todos. Feliz Natal e ano novo.
Ansioso pelo próximo Ju. Muito bom!
Oi Cris! Tudo bem por aí? Que vocês tenham um Natal tranquilo e um pouco de descanso nos últimos dias desse ano que nos desfiou a todos.
Mais uma vez, obrigado pelo apoio! O próximo artigo já está quase pronto. Devo publicar na semana que vem. Os textos serão mais objetivos dessa vez, para atender ao seu propósito prático.
Grande abraço pra vocês!