Os “Direitos de Miranda”

“A tradução não é apenas uma questão de palavras: é uma questão de tornar inteligível toda uma cultura.”

Anthony Burgess 

Suprema Corte dos Estados Unidos, Washington, D.C

1. Você já ouviu falar sobre “Direitos de Miranda”? 

Se você mora nos Estados Unidos, boas são as chances de já ter ouvido falar sobre essa proteção processual contra a autoincriminação prevista na Constituição Americana. Mas se você mora em outro país, provavelmente nunca ouviu falar dessa expressão. 

Você certamente já notou em filmes americanos que quando um policial prende algum suspeito, ele precisa informá-lo, ainda que em poucas palavras, sobre certos direitos que lhe são assegurados.

Porém, fora dos Estados Unidos, como é o caso do Brasil, poucas são as pessoas que sabem como esse direito fundamental que protege as pessoas contra a autoincriminação é conhecido pelos americanos. Esse desconhecimento é plenamente compreensível pois no momento em que o policial informa ao preso de seus direitos, não se refere a eles pelo seu carinhoso apelido: “Miranda Rights” (Direitos Miranda). 

2. Mais Que Palavras 

Há muitos anos, enquanto lia um suspense jurídico escrito por um dos principais autores americanos do gênero, me deparei com a expressão “Direitos de Miranda”. O fato de ser advogado e conhecer um pouco sobre o direito americano me permitiram reconhecer rapidamente o que significavam aquelas palavras, escolhidas para traduzir a expressão original “Miranda Rights”.

O autor referia-se à 5ª Emenda da Constituição Americana, que protege a todos contra a autoincriminação. A previsão constitucional traz um conjunto de direitos dentre os quais o de permanecer calado perante uma acusação criminal. O intuito é evitar que as próprias declarações do acusado possam inadvertidamente incriminá-lo. 

Contudo, quase simultaneamente, me perguntei o que os brasileiros que não conheciam aquele assunto estariam inferindo ao se deparar repentinamente com o misterioso “Sr. Miranda”. 

Por favor, não me entendam mal! A tradução era excelente! A leitura agradável e suave, sem nenhum outro erro perceptível, revelava o trabalho de um profissional extremamente qualificado. Na minha modesta opinião, no entanto, havia melhores opções para a tradução daquele termo específico.

A expressão “Direitos de Miranda” poderia ser traduzida, por exemplo, pelas expressões “Direitos do Preso” ou “Direito ao Silêncio”. O público de língua portuguesa, especialmente os brasileiros, teria melhores condições de entender o que o autor pretendia dizer, pois a Constituição Brasileira de 1988 tem salvaguardas processuais semelhantes. 

Em vez disso, acredito que muitos leitores brasileiros, naquele ponto, pararam por um ou dois minutos perguntando-se quem seria aquele misterioso “Sr. Miranda”. No Brasil, a maioria das pessoas não sabe o que aconteceu com Ernesto Miranda em 1966 depois que a Suprema Corte dos Estados Unidos decidiu seu caso e, ao mesmo tempo, especificou novas diretrizes para garantir a aplicação da proteção prevista pela 5ª Emenda da Constituição.  

3. A Palavra Certa

Como o autor americano Mark Twain disse certa vez sobre o ofício da tradução: “A diferença entre a palavra quase certa e a palavra certa é realmente muito grande. É a diferença entre um raio e um vaga-lume“.  

As palavras escolhidas pelo tradutor, neste caso, não trouxeram maiores consequências. Às vezes, no entanto, um único erro de tradução pode distorcer o significado de uma mensagem e trazer consequências imprevistas e indesejáveis.  

É por isso que um dos maiores desafios do trabalho de tradução é ir além do processo “palavra por palavra” e alcançar aquilo que o autor tinha em mente, aquilo que estava tentando transmitir. 

A boa tradução acontece quando vamos além das palavras e capturamos aquilo que o autor queria nos transmitir.