Série Relacionamento Conjugal e Crescimento Pessoal: Artigo 6
Parte I
1. Ingenuidade ou hipocrisia
A tola crença de que o outro é a fonte de todos os problemas em um relacionamento é uma das ideias mais nocivas para qualquer casal que pretenda construir uma relação feliz e duradoura.”
Uma das mais nocivas e infundadas ideias que alguém pode sustentar em um relacionamento afetivo é a ingênua e traiçoeira crença de que o outro é a fonte de todo problema, sofrimento e infelicidade do casal. A indolente teimosia desta concepção é um dos principais indicadores de dificuldades e aborrecimentos no casamento.
Salvos os casos patológicos, marcados por fatores específicos e sujeitos à intervenção externa (médica ou jurídica), aqueles que em sã consciência se consideram insuspeitos de qualquer delito afetivo, ou são reféns em um mundo de fantasia narcisista, ou foram seduzidos pelo cinismo da hipocrisia. Somente assim, poderia alguém se eximir de sua corresponsabilidade dentro de um relacionamento.
Quanto aos fariseus, tal conduta talvez encontre explicação na textura do caráter. Já em relação aos narcisistas, o que lhes falta, muitas vezes, é humildade e entendimento, características intimamente ligadas a um dos pilares da virtude: a reflexão.
Quando refletimos, concentramos nossos esforços cognitivos sobre determinado assunto, problema, pensamento ou sentimento, na tentativa de elucidar suas origens e esboçar suas implicações. Através da reflexão, nossos olhos cognitivamente ingênuos são abertos e o risco de nos perdermos em caminhos perigosos, permeados por covis de ignorância, é atenuado.
Não raras vezes, porém, nossa ignorância não nos incomoda. Na verdade, em muitos casos, a manutenção da ignorância chega a ser tentadora, principalmente quando nos protege (ainda que parcial e momentaneamente) dos aborrecimentos do conhecimento, ou quando nos exonera, sem maiores perguntas, de responsabilidades inconvenientes.
O renomado psicólogo clínico, Jordan Peterson,1 ressalta em seu novo livro, “Para Além da Ordem”, a incitante frase atribuída ao poeta e romancista inglês, Thomas Gray, que resume com maestria este dilema:
Onde a ignorância é felicidade, é tolice ser sábio.”
O que não percebemos vez após outra é que os problemas escondidos sob o véu da ignorância não se extinguem. Ao contrário, ganham cada vez mais força e se mantém à espreita até o momento em que não podem mais ser ignorados. Até o momento em que sua fantasiosa inexistência se depare, de repente, com a impiedosa realidade.
2. Para que servem os conselhos?
Um dos atalhos que mais procuramos para amenizar nossa incultura é o caminho dos conselhos. Sem dúvida, como registrou sabiamente o Rei Salomão, “quem recusa bons conselhos terá seus planos fracassados, mas quem os aceita verá seus projetos saírem do papel, e eles serão bem-sucedidos” (Livro dos Provérbios, cap. 15, verso 22, Bíblia “A Mensagem”).
Mas para irmos além de nossos projetos pessoais e nos aproximarmos do conhecimento pleno, os conselhos, por melhores que sejam, são insuficientes. Na verdade, é fundamental a colheita atenta de informação e a dose certa de reflexão, para nos tornarmos aptos a distinguir com sabedoria o joio do trigo; o boato do fato; o aparente do real; a mentira da verdade.
Ademais, quanto mais confiáveis forem nossas fontes teóricas (e práticas) de instrução, mais ampla e pertinente será nossa reflexão.
Os conselhos, em geral, são apenas o pontapé inicial. Como nos advertiu Ziraldo, certa vez, por meio de seu personagem, o Menino Maluquinho:
Conselhos não são para a gente seguir. Conselhos são para a gente pensar.”
Esta série de artigos sobre relacionamentos conjugais e crescimento pessoal não se contenta apenas com conselhos. Ela traz informações e conclusões obtidas em alguns dos mais amplos e sólidos estudos já realizados sobre o tema.
Desenvolvidos por pesquisadores da Universidade de Denver, no Colorado, estes estudos deram origem ao livro que alicerça esta série de reflexões: Fighting For Your Marriage (“Lutando Pelo Seu Casamento” ou, em diversa tradução, “Como Fortalecer Seu Casamento”).
3. Tutela de conflitos
O conflito é inerente à vida social e, em geral, recorrente na vida conjugal. Contudo, não são eles os maiores responsáveis pelos principais problemas que atingem a maioria dos casais. Na verdade, um dos mais confiáveis indicadores da saúde de um casal é a maneira com a qual marido e mulher lidam com os conflitos que enfrentam.
Hoje, nas empresas e organizações, por exemplo, tem sido bastante difundida a ideia de que um ambiente coeso e acolhedor pode aumentar a produtividade e o lucro. Por isso, o investimento em treinamento visando à capacitação de funcionários (ou colaboradores) para lidar com situações conflituosas tem ganhado cada vez mais espaço.
Mesmo assim, apesar da crescente popularização desta ideia em diversos ambientes profissionais, a aptidão para lidar com situações de conflito nos relacionamentos afetivos não recebe destaque equivalente. O que testemunhamos é uma abordagem geralmente simplista e irrefletida, que pode transformar qualquer relação em uma arena de conflitos.
Em regra, os casais lidam com seus problemas de maneira confusa, influenciados pela bagagem de emoções e memórias que carregam. Sem refletir, a maioria caminha alheia aos melhores métodos de comunicação e enfrentamento de conflitos, muitos dos quais já foram extensamente estudados.
Entretanto, nem todos sabem que a habilidade de enfrentar construtivamente os conflitos, que com maior ou menor frequência enfrentamos nos relacionamentos, é uma das mais importantes contribuições para uma vida conjugal de felicidade e bem-estar.
Foi pensando nisto que esta série de artigos foi desenvolvida. Conheço muitos casais que (como eu e minha esposa) enriqueceram sobremaneira seus relacionamentos após reconhecerem suas dificuldades de comunicação e decidirem que já era hora de aprender as habilidades necessárias para enfrentá-las, principalmente em momentos de conflito. Os 6 artigos publicados até aqui são:
- Case-se Quem Puder!
- Aprenda Como Lidar Melhor Com os Conflitos no Casamento
- Ouça Bem ou Só Ouvirá o Que Convém
- Jazz a Dois
- A Nobre Regra 9 de Jordan Peterson
- Inquieta e Imprecisa Mente
Parte II
1. Faça a sua parte: Aprenda a refletir
A capacidade de refletir, isto é, pensar criticamente, é indispensável para o nosso amadurecimento cognitivo e emocional. Refletir é repensar. É observar, investigar com riqueza de detalhes cada representação da realidade, cada pensamento e cada sentimento. Essa habilidade de observação é um dos principais instrumentos no arranjo de boas reflexões.
A reflexão é a “ação de introspecção pelo qual o pensamento se volta sobre si mesmo, investiga a si mesmo, examinando a natureza de sua própria atividade e estabelecendo os princípios que a fundamentam. Caracteriza assim a consciência crítica, isto é, a consciência na medida em que examina sua própria constituição, seus próprios pressupostos”.2
Perceba que o ato de refletir autêntico é sobretudo intencional. Ao contrário de boa parte de nossas respostas mentais que operam de maneira automática (como indicam as pesquisas mais recentes no campo da psicologia cognitiva), a reflexão atua em outra rotação. É uma ação ponderada, meditativa, que exige de nós singular esforço mental e dedicação.
Quando enfrentamos situações complexas, que exigem de nós mais atenção e análise, o ideal seria adotarmos uma postura atenta e analítica. Mas como não somos treinados para refletir, as impressões e respostas que chegam espontaneamente em nossas mentes de modo rápido e prático, parecem ser mais que suficientes.
Ocorre que, embora tais respostas sejam eficientes na maior parte do tempo, quando enfrentamos problemas multifacetados, elas não só deixam a desejar, como podem estar completamente equivocadas. Assim, diante da escassez de reflexão, nossos erros cognitivos se multiplicam e a desordem se amplia desnecessariamente em nossas vidas.
Por isso, o esforço mental necessário à reflexão é um preço muito pequeno a ser pago se considerarmos os graves e recorrentes prejuízos que sua privação pode nos causar.
É pela reflexão que modificamos padrões automáticos de pensamento e respostas. É pela reflexão que reavaliamos nossas reações aos estímulos externos e questionamos sua aplicabilidade em cada contexto.
Também é pela reflexão que confrontamos conclusões e comportamentos inadequados, ou até mesmo nocivos, a fim de nos tornarmos pessoas mais genuínas e capazes. A escassez ou abundância de reflexão está em nossas mãos.
2. Descubra – e combata – seus vieses cognitivos
Infelizmente, nos tempos modernos, qualidades admiráveis como discernimento e equilíbrio estão fora de moda. Como se não bastasse, os palpites e críticas difundidos pelos estilistas de opiniões nas redes sociais (sobre os mais diversos assuntos) indicam que a tendência para os próximos invernos deve seguir os mesmos parâmetros.
Neste oceano de criancices e contradições é possível observar dois fenômenos muito comuns: a desinformação e o domínio dos vieses cognitivos (companheiros inseparáveis).
Os vieses cognitivos são fruto de atalhos mentais e funcionam como “tendências ou inclinações de pensamento decorrentes de preconcepções, de ideias prévias. Os vieses são, pois, falhas cognitivas geradas por um pensar tendencioso, que desrespeita uma expectativa de imparcialidade”.3
Embora no campo político-ideológico este fenômeno salte aos olhos a ponto de ofender a inteligência do cidadão comum, nos relacionamentos afetivos os vieses cognitivos são bem mais sutis e, por consequência, bem mais difíceis de serem apontados.
A melhor maneira de enfrentarmos nossa desinformação e apontar nossos vieses cognitivos é colocar consistentemente em ação um escrutínio intelectual e emocional, marcado pela humildade sincera e a reflexão corajosa.
Para esta importante tarefa, a capacidade de questionamento (que se aperfeiçoa com o tempo) é um dos principais elementos e, por isso, não pode nos faltar se queremos pensar e agir com mais imparcialidade e correção.
3. Atos e virtudes
Semeie um pensamento e você colherá um ato; semeie um ato, e você colherá um hábito; semeie um hábito e você colherá um caráter; semeie um caráter e você colherá um destino.”
Charles Reade
A frase em destaque, atribuída ao romancista e dramaturgo inglês, Charles Reade (século XIX), sempre ocupou um lugar especial em minha lista de citações preferidas. Não importa quantas vezes eu a leia ou ouça, ela sempre me faz pensar (e repensar).
Em paráfrase, Sir Reade nos ensina que aquele que semeia um pensamento (reflexão) colherá um ato (prática); aquele que semeia um ato colherá um hábito (costume); aquele que semeia um hábito colherá um caráter (índole); aquele que semeia um caráter colherá um destino (propósito).
Este conjunto de substantivos em sequência revela, com rara propriedade, o caminho da virtude e do contentamento a todo aquele que se disponha a percorrer suas etapas, tanto nas relações profissionais quanto nos relacionamentos afetivos. Assim, para fortalecer nossas relações, abandonar hábitos inadequados ou nocivos e, ao mesmo tempo, incorporar outros que nos sejam úteis e sadios, este é o caminho.
Na segunda parte deste artigo veremos 3 princípios relacionais extremamente importantes, apresentados pelos autores do livro “Lutando Pelo Seu Casamento”. Embora sejam princípios de fácil memorização e bastante eficientes se adotados por qualquer casal, incorporá-los à rotina exigirá de nós reflexão, maturidade e iniciativa.
Os 3 princípios relacionais são os seguintes:
- Decida se manter firme contra a pressão das circunstâncias
- Faça a sua parte e assuma a responsabilidade
- Cultive um ambiente seguro para se expressar
OS 3 PRINCÍPIOS
1° Princípio
Decida se manter firme contra a pressão das circunstâncias
As circunstâncias nos atingem como a chuva; ora com ares de garoa, ora como tempestade; e quando é forte a tormenta e palpável a ameaça, o cuidado é essencial para não sermos arrastados.
Entretanto, quanto mais intenso o caos, mais o abrigo nos convida. É comum, em muitos casos, que ao tentar manter a paz, evitemos os confrontos. Mas não é sábio acreditar que na vida conjugal o melhor a se fazer é à deriva navegar. Como o professor Jordan B. Peterson nos adverte em seu último livro “Para Além da Ordem” (Beyond Order):
Talvez você pense que (pelo menos momento a momento) que é melhor evitar o confronto e se deixar levar pela aparente, mas falsa, paz. Contudo, não se engane: você envelhece quando está à deriva na mesma velocidade que você envelhece quando se empenha. Mas quando você está à deriva, não há nenhuma direção, e a probabilidade de você obter o que quer e necessita vagando sem objetivo é muito pequena.” 4
Esta ideia incorreta nos leva a adiar conversas e reflexões indispensáveis, além de protelar soluções de problemas inevitáveis. Quando nos damos conta, o nó que sorrateiramente nos enlaçou não pode mais ser desatado por nós mesmos.
Quando questões relevantes estão em jogo, o adiamento, ainda que por uma suposta paz, não é o caminho mais seguro e inteligente. Neste assuntos, é fundamental a reflexão conjunta e a fixação pacífica de certas diretrizes futuras.
Nos momentos em que a pressão das circunstâncias é muito forte, o improviso não só pode deixar a desejar como pode piorar um quadro já caótico. Os compromissos feitos de antemão serão não só um alerta, mas, também, um alicerce mental e emocional do casal para enfrentar a tempestade de conflitos e discussões de maneira pacífica, confiante e construtiva.
Resistir aos ventos circunstanciais significa, então, estabelecer determinados compromissos e deles não se afastar quando vierem os desafios (marido e mulher podem, por exemplo, decidir juntos que em discussões futuras, não importam as circunstâncias, farão todo o esforço para evitar acusações precipitadas e palavras desrespeitosas). Segundo os autores de “Como Fortalecer Seu Casamento”:
A ideia central é entender a relevância de decidir sobre aquilo que é importante. São muitos os casais que se deixam levar pelas grandes transições e experiências de vida, ao invés de decidirem quem são e para onde desejam seguir.” 5
Decida! Não viva à deriva! Encare os desafios relacionais com coragem, firmeza e lucidez, ainda que isso lhe traga desconforto temporário. Impeça que os problemas relevantes se tornem graves demais para serem apropriadamente solucionados.
2° Princípio
Faça a sua parte e assuma a responsabilidade
Somos constantemente instados pelos outros a fazer a nossa parte. Contudo, nem seria necessária a admoestação uma vez que na maioria dos casos estamos conscientes do nosso papel, principalmente quando assumimos livremente tal responsabilidade.
Mas se existem situações em que o nosso papel é claro, como geralmente ocorre em ambientes profissionais e certos cenários sociais, há situações nas quais o que nos cabe não é tão bem delineado.
Via de regra, recebemos instrução e treinamento (alguns mais, outros menos) para a vida profissional e social desde nossos primeiros anos. Mas e para a vida afetiva? Quem o orientou sobre o que você deve ou não fazer para ter um relacionamento que valha a pena? Quem definiu as regras básicas que pautam sua relação e como elas se aplicam à sua realidade tantas vezes conturbada?
Novamente, o impreterível refletir
Ao ampliar o alcance de sua reflexão, uma das primeiras ideias a se desfazer será a ingênua crença de que o outro é a fonte de todos os seus problemas e transtornos (como vimos no início). É claro que seu parceiro também tem a própria cota de responsabilidade. Isto não significa, porém, que você não possua controle sobre grande parte do que ocorre entre vocês.
A responsabilidade deve ser repartida como se o casal formasse uma equipe, como em uma dupla de tênis em que os parceiros se conhecem bem e entendem como se movimentar em quadra para alcançar o melhor rendimento.
Por isso, para os pesquisadores da Universidade de Denver, a advertência inicial para que os casais se vejam como uma equipe antes de começarem o programa de aconselhamento por eles desenvolvido, tem tanta importância. Em suas palavras:
Para participar de nosso programa vocês precisam tomar a decisão de trabalhar como um time. Isto significa que vocês concordam em não discutir de maneira destrutiva, que se comprometem a manter a diversão e a amizade no relacionamento, e que pretendem transformar o relacionamento em um refúgio emocionalmente seguro.” 6
Mais uma vez, a reflexão é condição do aprendizado e transformação. Às perguntas importantes quanto ao nosso desempenho individual, cabe a cada um de nós responder: – “Será que eu tenho feito a minha parte para ser, se não o melhor, ao menos um bom marido (ou esposa)?”; – “Meu esforço para aprender novos instrumentos úteis para uma comunicação melhor tem sido o suficiente?”
Somente depois teremos condições de avaliar conjuntamente o comportamento da equipe com alguma propriedade: – “Será que temos nos esforçado o suficiente para assimilar a ideia de que somos mesmo uma equipe?”; – “Como trazer essa ideia essencial para a prática diária?”
Essa compreensão pode ser colocada em prática, por exemplo, durante o enfrentamento de um problema sensível. Suponha que durante a discussão você entenda que seu parceiro esteja sendo injusto e impulsivo. Qual seria sua primeira reação?
Contenha-se
Não reagir será (quase sempre) sua primeira e mais importante atitude. Passados alguns instantes, você estará em melhores condições de agir de maneira dedutiva e descartar a resposta intuitiva. Nesta situação é bem provável que você experimente um desconforto decorrente de sua nova, e pouco natural, postura (ao menos por certo tempo).
Com a dedução em mãos, isto é, com o raciocínio livre, você poderá encontrar uma maneira mais construtiva para lidar com a situação. Respirar fundo repetidas vezes para manter a calma é uma ótima ferramenta, muitas vezes subestimada por sua simplicidade (a maioria das pessoas não tem ideia do que alguns minutos de oxigênio extra no cérebro podem fazer pelo seu estado emocional momentâneo).
Assim, no calor da discussão, não se exaspere, não fuja, nem condene. Aja de modo diferente: acalme-se, reflita e contribua para a solução para o problema.
Aqui, um alerta: não se deixar levar pelo autoengano. Quando pensamos ou sentimos que nosso parceiro está sendo injusto ou agindo de um modo que reprovamos, é muito comum que surja em nós um sentimento de alívio que arrefece nossa responsabilidade de agir da melhor maneira possível. É como se, a partir daquele momento, algum desejo compensatório misterioso nos desse passe livre para agir como bem entendemos.
Muito cuidado! Por razões óbvias, empenhe-se para que isso não aconteça!
3° Princípio
Cultive um ambiente seguro para se expressar
O alerta dos pesquisadores até parece desnecessário. Afinal, a liberdade de expressão é uma garantia de todo cidadão e um direito a ser assegurado até mesmo aos que estão dentro dos relacionamentos conjugais (sorriso).
Contudo, dentro do casamento, não é o estado o garantidor da liberdade de expressão, mas, sim, o próprio casal. O dever de cultivar um ambiente seguro no qual o nosso cônjuge possa se expressar sem constrangimentos ou amarras, pertence a nós.
Esta segurança é um pressuposto tão evidente da vida a dois que muitas vezes, acredite ou não, nos esquecemos dele. Ocorre que a negligência quanto a este óbvio dever, pode influenciar todas as áreas do relacionamento. Quando nos sentimos inseguros na relação, abrimos as portas não para a intimidade e a cumplicidade, mas, sim, para o distanciamento e a incerteza.
O fato é muito comum. O cônjuge se sente inseguro se deve ou não dizer o que realmente pensa sobre um assunto controverso. Mas da última vez que ele expôs seu pensamento, recebeu como resposta aquele sorriso jocoso de quem menospreza a opinião do outro, e isso o desencorajou.
Agora o tema é ainda mais espinhoso. Um dos cônjuges alimenta há anos um forte desejo de conhecer a Itália em uma viagem inesquecível. Porém, sempre que o assunto vem à tona, o outro diz: – “Agora não é um bom momento”. O problema é que já se passaram dez anos e esse bom momento nunca chega. O que resta da tentativa de diálogo, então, é apenas uma nova discussão sobre um problema antigo que não foi enfrentado com sinceridade, racionalidade e firmeza.
Mas quando o casal aprende a lidar com seus conflitos de maneira segura e sincera, cada um pode ser quem é, dividir seus pensamentos com liberdade e revelar seus sentimentos sem temer qualquer hostilidade, desdém ou julgamento. A segurança tem a virtude de abrir inúmeras portas de intimidade física e emocional entre duas pessoas que se amam.
Segurança e cuidado para o florescimento
Uma das principais conclusões a que chegaram os pesquisadores de Denver após três décadas de estudo, é que os grandes problemas de um relacionamento não estão propriamente relacionados à natureza das oposições e contrastes inerentes a todo casamento, mas a maneira com a qual o casal lida com as diferenças que ostentam.
Ora, sem um ambiente seguro para a expressão plena, como lidar efetiva e construtivamente com os conflitos?
Se você quer ter um grande relacionamento, a maneira como vocês lidam com as diferenças tem mais impacto do que as diferenças em si.” 7
Para avançarmos em nossas habilidades de comunicação e de resolução de conflitos, é primordial a manutenção de um ambiente seguro.
Esta capacidade de lidar com os conflitos é como aprender a apagar um incêndio. Se estamos cientes do que fazer para apagá-lo, toda vez que um fogo surgir poderemos controlá-lo e extingui-lo. Por outro lado, quando não sabemos como conter a fúria das chamas, bastará uma pequena fagulha para incendiar a casa inteira.
Um relacionamento afetivo pleno é sempre marcado pelo romance, amizade, paixão e amor. Mas não só. É marcado também pela diversão, carinho, respeito e confiança. Esses, e tantos outros, são atributos que fazem do casamento uma aventura inigualável.
Como flores ávidas por um ambiente acolhedor e seguro no qual possam extrair seus nutrientes, assim são as virtudes de um relacionamento pleno e feliz. Afinal, não queremos que nossas inestimáveis flores pereçam por falta de cuidado ou por algum devastador conflito incendiário.
Conclusão
Saber que podemos contar com a pessoa que mais amamos e que divide sua vida conosco, traz uma segurança ímpar a qualquer relacionamento. Como bem expõe M. Scott Peck, em seu livro “O Caminho Menos Percorrido”:
Os casais não podem resolver de forma saudável as questões universais do casamento: dependência e independência, domínio e submissão, liberdade e fidelidade, por exemplo, sem a segurança de saber que o ato de lidar com essas questões não destruirá a relação.” 8
Por isso (e por fim), nunca diga algo ao seu marido ou à sua esposa que de alguma forma ameace ou coloque em dúvida a estabilidade do relacionamento. Basta uma simples frase com ares de ameaça para que o vital sentimento de segurança sofra considerável abalo.
Assuma sua responsabilidade! Faça a sua parte! Aproveite os resultados!
Referências Adotadas:
1. Jordan B. Peterson; Beyond Order, Ed. Random House of Canada, 2021, p. 101. Tradução: Parlatorium Online.
2. Hilton Japiassú e Danilo Marcondes; Dicionário Básico de Filosofia, Jorge Zahar Editor, Terceira edição revista e ampliada, Rio de Janeiro, 2001.
3. Flávio da Silva Andrade; A tomada da decisão judicial criminal à luz da psicologia, heurísticas e vieses cognitivos, Revista Brasileira de Direito Processual Penal, Vol. 5, Nº. 1, 2019, p. 507-540.
4. Jordan B. Peterson; Beyond Order. Ed. Random House of Canada, 2021, p. 94. Tradução: Parlatorium Online.
5. Scott Stanley; Howard Markman; Susan Blumberg; Fighting For Your Marriage, Jossey-Bass Editora, 3ª ed., 2010, p. 21. Tradução: Parlatorium Online.
6. Scott Stanley; Howard Markman; Susan Blumberg; Fighting For Your Marriage, Jossey-Bass Editora, 3ª ed., 2010, p. 23. Tradução: Parlatorium Online.
7. Scott Stanley; Howard Markman; Susan Blumberg; Fighting For Your Marriage, Jossey-Bass Editora, 3ª ed., 2010, p. 25. Tradução: Parlatorium Online.
8. M. Scott Peck; O Caminho Menos Percorrido, 1978, p. 153. Título original: The Road Less Traveled, Tradução: Maria Isabel Cardoso Revisão: Rita Quintel.