I – Como Morrem os Casamentos
Era um dia como qualquer outro e a sequência de atividades seguia sua marcha habitual até o momento em que vocês se conheceram. Imediatamente, um encontro acidental transformava aquele simples dia em um acontecimento especial do qual vocês jamais se esqueceriam.
A incandescente atração mútua redefinia prioridades. De súbito, o que mais importava era o encontro, pois em cada um deles, rajadas de entusiasmo e paixão tornavam o mundo mais vivo, prazeroso e interessante.
Porém, após algumas semanas, ainda no auge de um romance que revolvia seus alicerces existenciais, vocês começam a experimentar uma certa ansiedade que preferem, de início, esconder. A esta altura, enquanto os compartimentos de suas vidas ganham novas dimensões, uma pergunta inevitável se repete continuamente: “Será que ficaremos juntos no futuro?”
Com a intenção legítima de reduzir a crescente inquietação, promessas recíprocas parecem a solução e se tornam inevitáveis. O crivo do noivado é antecipado e os preparativos para o dia do casamento ganham máxima prioridade.
Lamentavelmente, a maioria das pessoas não vê qualquer necessidade de uma preparação semelhante para enfrentar o que há por vir após o grande dia e acabam se surpreendendo quando, mesmo antes da cerimônia conjugal, divergências inesperadas começam a surgir.
Como muitos casais, vocês começam a enfrentar dificuldades para lidar com os novos conflitos e problemas que agora fazem parte de suas vidas. Vocês, então, desavisados que estão, passam a tentar resolvê-los cada um à sua maneira.
Mas a estratégia individualista se revela estéril e ineficiente para solucionar os desafios e impasses emergentes. Muitas vezes, essa intervenção equivocada precipita a exposição de certas facetas da personalidade de cada um que, até então, permaneciam encobertas. Talvez vocês não se conhecessem tão bem como imaginavam.
Neste terreno fértil para conflitos e discórdias, ambos começam a se comportar de modo cada vez mais crítico, impaciente e agressivo em relação ao outro. No início, as virtudes eram generosamente destacadas. Agora, as atenções recaem, quase sempre, sobre falhas e fraquezas que você não esperava encontrar no outro.
O tempo, como sempre, é escasso. Casa, crianças, compromissos profissionais (que exigem cada vez mais horas semanais) e questões financeiras inesperadas fazem parte da sua rotina. Atividades que outrora seriam garantia de diversão e prazer passam a ser invariavelmente relegadas e consideradas menos importantes.
Os passeios se tornam raros e o ato frugal de se sentar e conversar parece sem propósito. Sutilmente, vocês começam a associar a presença do outro a sentimentos de insatisfação, ansiedade ou até mesmo apatia. O vínculo emocional que permeava o romance e a amizade parece cada vez mais tênue.
Diante de toda decepção e frustração é comum que, durante uma discussão, os cônjuges acabem dizendo coisas do tipo “Não sei porque ainda estou com você” ou “Talvez seja melhor nos separarmos”. Entretanto, a recorrência deste tipo de intimidação emocional é um forte sinal de perigo. Palavras assim podem provocar profundo sofrimento psíquico e evidenciar a erosão de uma relação de cumplicidade e paixão que parecia eterna.
Ocorre que uma separação definitiva é bem mais complexa e sofrida do que imaginam as pessoas. Por isso, muitos casais optam por não se separar. Nesses casos, é bem provável que marido e mulher passem a viver rotinas solitárias, sufocadas gradualmente por um esfriamento contínuo e distantes de qualquer possibilidade de um final feliz.
II – Mãos à Obra
Identificando Padrões Destrutivos
Muitos comportamentos são indispensáveis para a estruturação de um casamento no qual prevaleça a intimidade, a honestidade, o amor e a felicidade. Outros comportamentos, entretanto, destroem os alicerces de uma relação, e por isso precisam ser identificados com urgência e inteligência.
A identificação destes padrões destrutivos, capazes de envenenar as nascentes afetivas de um relacionamento é, assim, fundamental para a manutenção de um bom casamento.
Contudo, a complexidade natural de uma relação afetiva por vezes dificulta uma percepção mais clara dos fatos, o que pode acabar nos levando a um embate tolo e ineficaz contra aquele que amamos, como se dele brotassem as raízes de todos os males.
Na escala de periculosidade, alguns destes padrões se destacam. São contra esses padrões que ameaçam a plenitude do relacionamento que devemos, como casais, unir nossas forças.
De acordo com o livro Lutando Pelo Seu Casamento (usado como referência nesta série de artigos) existem quatro comportamentos que representam ameaça real e, por isso, são sinais de perigo que merecem de nós toda atenção. São eles:
- Escalada Emocional
- Invalidação
- Cancelamento e Evasão
- Interpretações Negativas
É sempre tempo de aprender a identificá-los, combatê-los e superá-los.
III – O Que Acontece Quando Emergem os Conflitos
1) Escalada – O Rompante Emocional
Por Trás da Raiva
Na vida a dois, mais que em outros tipos de relacionamento, um simples atrito pode se tornar um grande conflito e dar ensejo a uma exaltada, infantil e inoportuna discussão. Não é incomum que uma conversa trivial e despretensiosa se transforme, num simples piscar de olhos, em um homérico desentendimento. No cerne deste fenômeno há um elemento recorrente que merece nossa atenção: a raiva.
Em poucas palavras, a raiva é um sentimento intenso provocado por uma série específica de reações químicas praticamente simultâneas e imediatas desencadeadas normalmente por algum fator externo, cujo propósito é nos preparar para uma possível resposta de emergência.
A agilidade deste mecanismo de alerta nos faz perceber a raiva como algo repentino. De fato, passamos do estado de calma para o estado de fúria quase sem perceber a súbita transição.
A despeito desta constatação, é possível, mediante treinamento, aprender a reconhecer certos sinais de alerta, ainda que sutis, que indicam o início das atividades químicas envolvidas nesta alteração emocional. A percepção antecipada desses sinais pode nos ajudar a controlar melhor a nossa raiva.
Neste sentido, a psicoterapeuta e editora-chefe da revista VeryWell Mind, Amy Morin, em artigo publicado em agosto de 2020, nos ensina:
Pense nos sinais físicos de alerta da raiva que você experimenta. Talvez seu coração esteja batendo mais rápido ou seu rosto esteja quente. Ou talvez você comece a cerrar os punhos. Você também pode notar algumas mudanças cognitivas. Talvez sua mente dispare e sua raiva saia do controle.” Tradução: Parlatorium Online
Morin nos adverte que o reconhecimento dos sinais de alerta provocados pela raiva nos dá a oportunidade de agir prontamente e, assim, evitar atitudes ou palavras que tornem o problema ainda maior.
FICAR OU NÃO FICAR COM RAIVA – EIS A QUESTÃO!
A raiva que sentimos, mesmo nas reações a perigos imaginários, altera de forma drástica tanto nosso estado fisiológico (funcionamento dos nossos órgãos, células e biomoléculas) quanto psicológico (as atividades da mente e seus respectivos comportamentos).
Ao se deparar com uma possível ameaça ao nosso bem-estar, nosso alarme cerebral dispara a liberação de adrenalina, substância que nos prepara para a ação imediata. Além disso, se elevam nossos níveis de cortisol (hormônio relacionado ao estresse) e outras catecolaminas como a dopamina e a noradrenalina.
Este processo altera nossa frequência cardíaca, afeta nossa pressão arterial, provoca o enrijecimento muscular e interfere nos níveis de oxigênio em nosso cérebro. Por fim, são despejadas em nossa corrente sanguínea e em nossos músculos, cargas extras de glicose, componente energético essencial para a tomada rápida de decisão.
Todas estas alterações comprometem nossa capacidade de raciocínio, pois no auge desta revolução química que nos sobrevém, qualquer tentativa racional passa a ser ignorada pelo instinto de sobrevivência. Ora, quando o perigo está muito perto, foge-se primeiro, discute-se depois.
Estas reações imediatas, orquestradas especialmente pela amígdala (parte do cérebro que nos alerta sobre ameaças), só são possíveis pois não se submetem ao crivo do córtex (parte do cérebro que controla nossas ações ponderadas).
A raiva funciona, assim, como um legítimo alarme; uma “inquietação ou sobressalto causado pela ameaça de algum perigo iminente”. Até mesmo as brandas alterações químicas provocadas por uma raiva incipiente, já são suficientes para interferir em nossa capacidade de julgamento.
A Raiva em Casa
No âmbito afetivo, contudo, este poderoso maquinário de defesa raramente é necessário. De fato, sua função precípua é nos livrar de perigos concretos. Mas, por óbvio, não é sempre que somos perseguidos por algum urso pardo ou um leão feroz pelos corredores de nossas casas, ou enfrentamos algum invasor armado prestes a nos assaltar em nossas salas de estar.
Ainda que os conflitos afetivos possam parecer ameaçadores e provocar em nós sentimentos genuínos de medo, sua origem abstrata permite que os enfrentemos de maneira mais pacífica e assertiva. Se ao menos fôssemos mais eficientes para discernir o perigo real (concreto) do perigo abstrato (psicológico), as coisas seriam um pouco mais fáceis.
Sem esta clara distinção, as palavras do nosso cônjuge podem soar ameaçadoras mesmo quando obviamente não são. Na ausência de um leão real, nossa imediata e explosiva reação recairá sobre qualquer um que estiver por perto.
Por isso, após tantas discussões, tão logo a calma é reestabelecida, percebemos que nossa reação foi embaraçosamente desproporcional. Veja, por exemplo, nesta conversa real entre Tomás e Cecília, a rapidez com que a conversa sai do controle:
“Tomás: (com sarcasmo) Você poderia colocar a tampa da pasta de dente no lugar.
Cecília: (também com sarcasmo) Ah, como se você nunca se esquecesse de pôr de volta.
Tomás: Na verdade, eu sempre coloco de volta.
Cecília: Sei, eu havia me esquecido do quanto você é compulsivo. Você tem toda razão, claro!
Tomás: Eu nem sei por que ainda fico com você. Você é tão negativa.
Cecília: Talvez você não devesse ficar. Não há ninguém obstruindo a porta.
Tomás: Eu realmente não entendo por que ainda fico.”
Talvez você imagine que suas brigas não são tão frequentes ou tão graves. Contudo, este efeito bumerangue de ofensas pessoais pode ocorrer de maneira bem mais sutil. Não é preciso erguer a voz para demonstrar cinismo e pouco-caso. Veja esta conversa entre Marcos e Sandra:
“Marcos: Você pagou o aluguel no prazo?
Sandra: Essa tarefa era sua.
Marcos: Você é quem deveria ter feito o pagamento.
Sandra: Não, era você.
Marcos: Pagou ou não pagou?
Sandra: Não paguei e nem vou pagar.
Marcos: (resmungando) Ótimo. Excelente.“
Perceba que, para alguém de fora, o tom da conversa parece bastante normal. Mas para os envolvidos, tais comentários, principalmente se recorrentes, são mais que suficientes para corroer, gradativamente, os laços de respeito e intimidade do casal.
Não é à toa que aprender a contra-atacar nossas tendências ao descontrole e ao desequilíbrio emocional é uma das habilidades mais importantes que podemos desenvolver em defesa do nosso relacionamento.
Apague o Fogo no Início
Portanto, se queremos prevenir um incêndio emocional durante um conflito conjugal, é importante detectar os focos inflamáveis logo em seu início, antes que o fogo saia de controle e provoque danos matrimoniais desnecessários.
Veja o diálogo entre Maria e Heitor:
“Maria: (chateada) Você deixou a manteiga para fora de novo.
Heitor: (irritado) Por que essas coisas pequenas são tão importantes para você? Coloque de volta e pronto.
Maria: (suavizando o tom) Estas coisas são importantes para mim. É tão difícil assim?
Heitor: (mais calmo) Acho que não. Eu fui rude, me desculpe.“
Veja que, agora, Maria decide abrandar seu tom de voz ao invés de se defender e, assim, dá início a outro ciclo comunicativo. Sua atitude contribui para que Heitor também se acalme rapidamente e perceba com mais clareza o ponto de vista de sua esposa.
Não subestime o poder que há na decisão de abrandar o tom de voz e reconhecer o ponto de vista de seu parceiro durante uma discussão.
2) Invalidação – A Subjetividade Ignorada
Uma outra atitude que pode ser extremamente nociva na vida de um casal e, portanto, representar um sério sinal de perigo à estabilidade matrimonial, é a depreciação e invalidação dirigidas às ideias, pensamentos, sentimentos ou caráter de nossos parceiros.
Trata-se de um comportamento insidioso muitas vezes difícil de ser identificado. Por isto é tão importante desenvolver nossa percepção quanto ao problema. Veja a conversa seguinte entre Cecília e Tomás:
“Cecília: (com raiva) Você faltou a sua consulta médica outra vez! Eu até lhe enviei uma mensagem para te lembrar. Você é muito irresponsável. Posso até ver você morrendo e me deixando, igual ao seu pai.
Tomás: (magoado) Muito obrigado. Você sabe que eu não tenho nada a ver com o meu pai.
Cecília: Ele era um inútil assim como você.
Tomás: (cheio de sarcasmo) Desculpe. Esqueci a sorte que eu tive em me casar com esse modelo de responsabilidade. Você não consegue nem manter sua bolsa arrumada.
Cecília: Pelo menos não sou tão obsessiva em relação a bobagens.
Tomás: Você é tão arrogante.“
Neste exemplo, a beligerância é evidente. A discussão deixa o âmbito dos fatos e passa a envolver o caráter e as características pessoais de cada um. Aqui, observamos três ingredientes comuns em situações semelhantes: a raiva, a mágoa e o sarcasmo.
É com raiva que Cecília ataca Tomás que, magoado, se defende. Cecília continua o ataque, e Tomás se vale do sarcasmo (comum expressão de autodefesa). Como não há trégua por parte de Cecília, é Tomás que, então, parte para o contra-ataque.
Este tipo de invalidação é altamente tóxico para a harmonia e o bem-estar de qualquer relação, e pode se apresentar de forma ostensiva ou dissimulada, muitas vezes sutis, para as quais devemos estar atentos.
A conversa entre Cecília e Tomás poderia ter outro desfecho se ambos tivessem em mente, principalmente em momentos de conflito, o compromisso de respeitar e reconhecer o ponto de vista do outro ao invés de desprezá-lo e desqualificá-lo baseado em suas próprias impressões precipitadas. Veja, por exemplo, o seguinte desfecho:
Cecília: (muito chateada) Estou muito chateada por você ter faltado a sua consulta médica outra vez. Fico preocupada se você estará comigo no futuro.
Tomás: (magoado) Você realmente ficou chateada, não foi?
Cecília: Claro. Quero ter certeza de que você estará comigo no futuro, e quando você falta a uma consulta eu fico ansiosa; eu me preocupo conosco.
Tomás: Eu entendo a sua preocupação quando eu não me cuido.“
Nesta nova abordagem é possível perceber o respeito pelas emoções de Cecília, bem como a legitimação de suas preocupações. São gestos assim, muitas vezes sutis, que repetidos durante os anos, constroem e solidificam indispensáveis vínculos emocionais.
É fundamental ressaltar que você não é obrigado a concordar com o seu cônjuge para validar seus sentimentos e tentar compreender seu ponto de vista. Na verdade, é importante aprender a dissociar, tanto quanto possível, o sujeito que pensa da ideia que ele defende. Dissociar seu cônjuge, alvo do seu amor e admiração, das opiniões que porventura sustente, mesmo que divergentes.
3) Afastamento e Evasão – O Esconde-Esconde Conjugal
No artigo anterior tratamos da importância de não sucumbirmos à tentação de ignorar certas situações ou problemas apenas para sustentar uma suposta paz, imaginando que tal atitude nos poupará do sofrimento.
Como destacamos, a realidade não pode ser ignorada por muito tempo. Chegará o dia em que o problema se tornará grande demais para ser desprezado. Quando este momento chegar, talvez não haja mais tempo para lidar com a situação de maneira proativa e preventiva.
Se esta ignorância passiva é marcada por atitudes furtivas e dissimulas, existe a ignorância ostensiva, bem menos discreta, caracterizada por um intento inequívoco de evitar qualquer discussão sobre determinada questão.
Nestas hipóteses, um dos parceiros demonstra claramente que não tem interesse em discutir certos assuntos ou enfrentar (com honestidade) problemas específicos. Sempre que o tema vem à tona, ele encontra uma maneira de se esquivar da conversa e se livrar da responsabilidade. Ele pode até concordar com alguma sugestão somente para encerrar a conversa de maneira evasiva, sem qualquer intenção de implementá-la de fato.
Paula e Jorge, casados há três anos, amavam sua filhinha de dois anos e não queriam que as constantes brigas e discussões entre eles pudesse de alguma maneira atingir a pequenina Tânia. Veja como foi a conversa:
“Paula: Quando vamos falar sobre a maneira que você está lidando com a sua raiva?
Jorge: Isso não pode esperar? Eu tenho que terminar o imposto de renda.
Paula: Já tentei conversar com você sobre esse assunto mais de cinco vezes. Não dá para esperar mais.
Jorge: (tenso) O que há para conversarmos a este respeito? Esse assunto não é da sua conta.
Paula: (frustrada e encarando Jorge diretamente) Tânia é da minha conta sim. O meu medo é que você perca a cabeça e a magoe, e você não faz nada para aprender a lidar melhor com a sua raiva.
Jorge: (olhando pela janela) Eu adoro a Tânia. Quanto a isso não há nenhum problema (saindo da sala enquanto fala).
Paula: (muito chateada e o seguindo até o quarto) Você precisa de ajuda. Você não pode simplesmente se omitir (no original: “stick your head in the sand” – enfiar sua cabeça debaixo da terra).
Jorge: Eu me recuso a conversar com você enquanto estiver assim.
Paula: Assim como? Não importa se eu estou calma ou com raiva – você nunca quer conversar sobre as coisas importantes. Tânia está tendo problemas e você tem que encarar esse fato.
Jorge: (calado, tenso, inquieto)
Paula: E então?
Jorge: (dirigindo ao armário para pegar uma jaqueta) Vou sair para tomar alguma coisa e ter um pouco de paz e tranquilidade.
Paula: (frustrada e aumentando o tom da voz) Fale comigo agora! Estou cansada de você me deixar falando sozinha quando estamos conversando sobre algum assunto importante.
Jorge: (caminhado em direção à porta sem olhar para Paula) Eu não estou conversando. Você é quem está. Na verdade, você está gritando. Até mais tarde.“
Este infeliz esconde-esconde é comum na vida de muitos casais quando chega a hora de lidar com problemas mais sérios. Normalmente, um dos dois procura o outro incansavelmente e enfrenta inúmeras dificuldades para encontrá-lo; e mesmo quando o encontra, ele acaba fugindo uma vez mais.
Atitudes de afastamento e evasão entre os cônjuges estão entre os sinais mais proféticos de que um relacionamento caminha a passos largos em direção à infelicidade e ao divórcio. Portanto, caso você tenha o costume de agir assim, está na hora de refletir e repensar sobre as consequências de suas atitudes se pretende restaurar ou aprimorar sua relação.
4) Interpretações Negativas – A Pior Versão dos Fatos
Por fim, as constantes interpretações negativas das atitudes e intenções de nossos cônjuges representam mais um importante sinal de um casamento em perigo. Não é preciso dizer que este tipo de percepção compromete o enfrentamento construtivo dos inevitáveis desentendimentos e conflitos presentes na vida de qualquer casal.
De fato, na maioria das vezes, embora a realidade seja bem menos áspera do que a percebemos, nossas percepções viciadas nos enganam. Quando esse tipo de comportamento é frequente, é comum o aparecimento de sentimentos de desânimo e desmoralização diante da situação.
Alfredo e Eliana estão casados há dezoito anos e têm três filhos. Especialmente nos últimos sete anos, parece que a felicidade do casal os deixou. Após uma análise detalhada de seu comportamento, os pesquisadores da Universidade de Denver identificaram algumas explicações.
Uma das principais constatações foi o efeito corrosivo de constantes e intensas interpretações negativas toda vez que tentavam se comunicar.
Embora houvesse coisas positivas na relação, praticamente nada que um deles fazia era percebido positivamente pelo outro. Acompanhe a conversa:
“Alfredo: Você deixou o carro do lado de fora de novo.
Eliana: Oh. Acho que me esqueci de colocá-lo pra dentro quando voltei da casa da Liliana.
Alfredo: (com sarcasmo) É, deve ter sido. Você sabe o quanto isso me irrita.
Eliana: (exaltada) Olha, eu esqueci. Ou você acredita que eu deixo o carro para fora só para te irritar?
Alfredo: (friamente) Na verdade, é exatamente isso que eu acho. Eu já te disse tantas vezes que eu quero o carro na garagem durante a noite.
Eliana: Eu sei. Mas eu não deixo o carro do lado de fora só para te irritar. Eu esqueci.
Alfredo: Se você se preocupasse com o que eu penso sobre as coisas, você se lembraria.
Eliana: (começando a demonstrar raiva na voz) Você sabe que eu coloco o carro para dentro 9 a cada 10 vezes.
Alfredo: Talvez na metade das vezes, e somente quanto eu deixo o portão da garagem aberto pra você.
Eliana: (chateada, indo embora) Como quiser. Não importa qual seja a realidade você sempre a verá da sua maneira.”
Em uma análise preliminar, a conversa citada pode parecer um problema menor, mas não é. Na verdade, estamos diante de uma tendência antiga de Alfredo em interpretar o comportamento de Eliana sempre de uma maneira negativa.
Uma das grandes dificuldades deste problema é que as interpretações negativas não são de fácil identificação. Isso acontece, em parte, em virtude do conhecido “viés de confirmação” que tanto nos influencia. Trata-se da tendência universal de percebermos as pessoas e as situações à luz daquilo que previamente pensamos sobre elas.
Perceba que mesmo nas vezes em que Eliana coloca o carro na garagem, Alfredo acredita que isso só aconteceu porque ele deixou a garagem aberta. Nesse contexto, não importa o que Eliana faça, a avaliação de Alfredo tende a ser sempre negativa.
As interpretações negativas exemplificam o que chamamos de mind reading (leitura de pensamento). Assim, um dos parceiros acredita que sabe o que o outro está pensando ou, ainda, a razão dele agir desta ou daquela maneira, antes mesmo de dar a ele a oportunidade de esclarecer os fatos.
Que fique claro, porém, que nossa sugestão não significa a adoção de algum tipo de pensamento positivo infundado. Pelo contrário, não é tão simples agir com isenção quando estamos convictos da verdade de nossas percepções. As raízes desses comportamentos são profundas e difíceis de serem arrancadas.
Uma coisa é certa, apenas você pode administrar a maneira que interpreta o comportamento de seu cônjuge, sejam suas ações, sejam suas palavras. Só você pode acessar os porões da sua mente para tentar entender um pouco melhor as razões de suas interpretações insistentes.
IV – Alerta Final
Para encerrar, um alerta importante, retirado de uma pesquisa realizada por John Gottman:
“A maneira como uma conversa se inicia determina, com 96% de precisão, como será o seu desdobramento.”
Por isso, se você pretende começar e terminar uma conversa importante com o seu cônjuge fale, desde o início, em baixo e bom-tom e mantenha essa atitude até o final.
Caso perceba que o diálogo está tomando um rumo diverso do pretendido, e o tom de voz e a impaciência estejam ganhando espaço, é melhor interromper a discussão e recomeçá-la em momento mais apropriado, quando ambos estiverem calmos.
Lembre-se: “Agir ou não agir com raiva – eis a questão!”
Referência:
Este artigo foi essencialmente baseado no Capítulo 2 (Destructive Patterns – Signs of Danger Ahead / Padrões Destrutivos – Sinais de Perigo à Frente) do livro Fighting For Your Marriage (Lutando Pelo Seu Casamento): Scott Stanley; Howard Markman; Susan Blumberg; Jossey-Bass Editora, 3ª ed., 2010. Tradução: Parlatorium Online.